Fábio Góis
Oito mortos em apenas três semanas. Eis o número oficialmente
reconhecido pelo Ministério da Saúde, neste ano, em relação aos óbitos
em decorrência da febre amarela. As ocorrências Brasil afora,
principalmente na região central do país, têm alertado para o risco de
uma epidemia.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, apressou-se em tranqüilizar a
população e garantiu: não haverá surto da doença. De acordo com
especialistas na área ouvidos pelo Congresso em Foco, o ministro está
certo. Mas não há motivo para o brasileiro respirar aliviadamente.
O verdadeiro problema é uma velha conhecida, que tem crescido de
maneira silenciosa e preocupante: a dengue, causada pelo mosquito aedes
aegypti, curiosamente, também responsável pela transmissão da febre
amarela urbana.
O Brasil não tem casos de febre amarela urbana desde 1942. De lá pra
cá, todos os casos registrados, de acordo com o governo, foram de febre
amarela silvestre, ou seja, de pessoas que contraíram a doença em
regiões de mata.
Números preocupantes
Segundo informe epidemiológico sobre a dengue divulgado pela Secretaria
de Vigilância em Saúde (SVS), departamento do Ministério da Saúde
responsável pelo controle de epidemias, de janeiro a novembro do ano
passado foram registrados 536.519 casos suspeitos de dengue em todo o
país.
Desse total, foram confirmados 1.275 casos de "Febre Hemorrágica da
Dengue – FHD" (a chamada dengue hemorrágica), que resultaram em 136
mortes. O índice de letalidade, nesses casos, ficou em 10%, o dobro do
pico anterior, registrado em 2002.
De acordo com o relatório, o ano de 2007 registrou, nos primeiros 11
meses, 200 mil casos a mais do que o mesmo período do ano anterior. Ou
seja, um crescimento de 37%, que, segundo a secretaria, "foi
influenciado pela ocorrência de epidemias ocorridas nos estados de Mato
Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco".
Ainda conforme o documento, o Centro-Oeste apresentou o maior número de
ocorrências de dengue no Brasil, com 811 casos por 100.000 habitantes,
o que levou a região a ser classificada como de "alta incidência". Ao
todo, foram notificados 109.640 casos da doença na região – desses, 190
foram da variação hemorrágica, com 34 mortes confirmadas (leia a
íntegra do relatório).
De acordo com o Ministério da Saúde, são três os possíveis casos de
morte por dengue hemorrágica em 2008. "São dados preliminares, em
investigação, mas temos essas notificações. São casos de óbito no Rio
de Janeiro, em Ananindeua e em Redenção, ambos no Pará", declarou ao
Congresso em Foco o diretor-técnico da SVS, Fabiano Pimentel.
Mas os dados apresentados pelo diretor-técnico de Gestão da SVS são pra
lá de tímidos se comparados aos divulgados ontem (23) pela Secretaria
de Estado de Saúde Pública do Pará. Segundo o órgão, apenas nos
primeiros 20 dias deste ano já foram registradas sete mortes no Pará
causadas por dengue. Em todo o estado, já foram notificados 432 casos
da doença somente nas últimas três semanas. Desses, 16 foram do tipo
mais severo, a dengue hemorrágica.
Bomba
"A bomba que vem por aí é o combate à dengue. Pode consultar qualquer
sanitarista", disse à reportagem o deputado federal Darcísio Perondi
(PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde (FPS). Segundo
Perondi, que também é médico, o governo já sabe do risco que se
aproxima.
De acordo com o sanitarista e professor do Núcleo de Medicina Tropical
da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Tauil, a dengue hemorrágica é,
de fato, a grande dor de cabeça que o governo terá nos próximos meses –
embora não faça questão de lançar holofotes sobre a questão.
"Desde o ano passado, a dengue hemorrágica matou mais de 100 pessoas no
interior do país, mas ninguém fala nada, porque não tem vacina",
afirmou o sanitarista, ressaltando que, ao contrário do que ocorre com
a febre amarela, ainda não existe um medicamento para a prevenção da
doença (saiba mais sobre a dengue).
A solução está, portanto, no combate ao transmissor da doença. "Temos
que controlar esse bendito mosquito, o aedes aegypti, e é muito difícil
esse controle. Isso depende de um trabalho de prevenção conjunto de
vários setores, inclusive da mídia", defendeu.
Ação
Segundo o diretor-técnico de gestão da SVS, Fabiano Pimentel, o
envolvimento do governo no combate à dengue tem sido intenso, embora as
ações do ministério não tenham ganhado visibilidade à altura.
"Talvez as ações não tenham tanta repercussão, mas o que precisa
existir mesmo é exatamente a ação", defendeu. "Dengue é um tipo de
problema de saúde pública que exige uma ação intersetorial muito
grande, porque deve envolver os trabalhos de ministérios como o de Meio
Ambiente, o de Cidades e o de Turismo", afirmou o diretor.
De acordo com Fabiano, o ministro José Gomes Temporão fez, ainda no ano
passado, um "alerta" aos médicos de todo o país em relação à dengue,
uma das ações do ministério no combate à doença.
"O ministro distribuiu CD-ROMs a médicos do Brasil inteiro. Esse
material contém desde a atenção básica nos centros de saúde até os
cuidados a pacientes com complicações de alta e média complexidade,
internados em UTIs", explicou. "A prioridade é tentar evitar óbitos",
destacou.
Bromélias
Para Fabiano, o governo Lula apresenta um diferencial aos anteriores no
que diz respeito ao combate à dengue. "Uma prova concreta do governo
Lula nessa questão foi o Dia Nacional de Mobilização contra a Dengue. O
presidente Lula compareceu pessoalmente à mobilização, que foi
realizada no Rio de Janeiro, onde detectamos uma transmissão de dengue
continuada. Foi a primeira vez que um presidente da República foi
pessoalmente a um evento como esse", afirmou Fabiano Pimentel,
lembrando até o dia em que Lula participou da ação, "19 de novembro de
2006".
A presidente nacional do Psol, a ex-senadora Heloísa Helena (AL),
ironizou a importância da visita de Lula ao Rio para participar da
mobilização. "Ele foi para fazer o quê? Distribuir bromélias? Para mim,
ações são políticas eficazes de saúde pública junto às populações
carentes", bradou Heloisa.
"Diante dos casos gravíssimos de saúde pública, a mais bela postura de
um administrador seria de, humildemente, reconhecer sua incompetência,
sua irresponsabilidade, sua insensibilidade, e então implementar
medidas concretas em relação aos gravíssimos casos que estão
acontecendo."
Situação gravíssima
A ex-senadora, que é formada em Enfermagem e atualmente leciona
Epidemiologia na Universidade Federal de Alagoas, disse que a situação
da dengue no país é "gravíssima", mas o descaso dos governantes com a
saúde, em geral, é ainda mais grave.
"O perfil epidemiológico no Brasil é gravíssimo, mas o país nada faz
para garantir as melhorias nas condições de vida da população, nada faz
para garantir a eficácia no solucionamento do problema da saúde
pública", denunciou Heloísa. "O problema é infinitamente maior do que
eles imaginam, mas eles nem ligam."
Segundo Heloísa Helena, a culpa não pode ser debitada exclusivamente ao
governo Lula, pois o problema vem se acumulando de gestões anteriores.
"É uma sucessão de irresponsabilidades. Nenhum governo tem autoridade
moral para responsabilizar o passado quando nada fez para alterar as
condições deixadas por outros governos", vociferou, referindo-se às
sucessivas gestões do Ministério da Saúde e demais órgãos competentes.
"Esses irresponsáveis, incompetentes e insensíveis não foram capazes de
prover as condições básicas de saúde, saneamento, educação básica."
A ex-senadora lamentou também o pouco enfoque dado à questão
epidemiológica. "Infelizmente, casos relativos ao perfil epidemiológico
no Brasil ficam restritos aos parlamentares ligados à área da saúde ou
às descobertas do jornalismo investigativo."
Dor incurável
Embora altamente letal, a dengue hemorrágica é considerada muito rara
por especialistas em saúde pública. O único caso de morte em razão da
doença registrado no Distrito Federal, por exemplo, foi o do estudante
João Paulo Viana, em 3 de março de 2002. O jovem tinha 17 anos.
O assunto foi amplamente noticiado pela imprensa à época. Segundo
relato da própria mãe, Selma Viana, João Paulo fez uma viagem ao Rio de
Janeiro durante o carnaval daquele ano e voltou infectado. Ao retornar
à capital federal, João sentiu "sintomas de gripe".
"Quando ele voltou da viagem, se sentiu mal. Não pensei que fosse
dengue, ele estava com sintomas de gripe. No hospital, ele ficou tonto,
e então pedi para que o atendessem logo", relatou Selma ao Congresso em
Foco.
"O médico constatou que era dengue, mas não resolveu tratar do meu
filho. Não tive orientação nenhuma, como até hoje não temos. Não temos
como fazer nada em relação à doença, porque não tem vacina. Os médicos
só socorrem quando a pessoa não tem mais salvação", desabafou.
Segundo Selma, a difícil detecção da doença, aliada à ação deletéria
fulminante do vírus, foi determinante para a morte de seu filho. "Ele
não tinha sintoma de que estava doente. Estava bem, corado, não
reclamava de nada. Na sexta-feira [22 de fevereiro de 2002], caiu de
vez. Ficou internado durante nove dias, depois morreu", lembra a
dona-de-casa.
"Vocês, como repórteres, têm de publicar isso, essas coisas erradas que
acontecem na saúde", exortou, para em seguida manifestar sua dor. "[A
situação da saúde] é um descaso com o povo. Vejo as reportagens e fico
revoltada. Os políticos não merecem nosso apoio, porque eles só se
preocupam com eles mesmos."
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