João Capiberibe*
O desmatamento disparou na Amazônia. O sistema Deter (Detecção do
Desmatamento em Tempo Real), do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), informa que o desmatamento pode ter chegado a sete
mil quilômetros quadrados entre agosto e dezembro de 2007.
O presidente Lula, assustado, convocou uma reunião de emergência com os
ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Dilma Rousseff (Casa Civil),
Reinhold Stephanes (Agricultura), Tarso Genro (Justiça), Nelson Jobim
(Defesa) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), além do
diretor-geral da Polícia Federal.
Após cinco anos e um mês de governo, Lula continua tratando a Amazônia
em reuniões de emergência.
A falta de sensibilidade de Lula com as questões ambientais e, em
particular, com a Amazônia, vem de longe. Tanto que militantes e
simpatizantes do PT preocupados com políticas para a área estimularam a
organização de fóruns de debates específicos sobre esses temas bem
antes da vitória de 2002.
Em 2000, em Belém, aconteceu o 1º Fórum Amazônico. Lula não compareceu,
deixando seus organizadores frustrados e ainda mais preocupados com a
falta de atenção demonstrada por ele.
Em novembro de 2001, em Macapá, foi realizado o segundo e último fórum
de discussão sobre alternativas de desenvolvimento sócio-ambiental para
a região. Eu estava concluindo o segundo mandato de governador, cujo
programa, fundamentado no desenvolvimento sustentável, transformara-se
em vitrine de projetos inovadores e bem sucedidos.
Lula compareceu. Ouviu atentamente e participou das plenárias e
debates. Suas intervenções encheram de esperança a platéia. Saímos
eufóricos do encontro, convictos que a Amazônia de nossos sonhos e
lutas se realizaria com Lula na presidência do Brasil.
No dia seguinte, na companhia do então governador do Acre, Jorge Viana,
de Vicente Trevas, da direção nacional do PT, e de Lourival Freitas, do
diretório estadual, levamos Lula a Laranjal do Jarí, uma enorme favela
sob palafitas. Dívida social inconteste de um mega-projeto do
multimilionário americano Daniel Ludwig.
Em seguida, rumamos até a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio
Iratapuru, onde visitamos a fábrica de biscoitos e óleo de castanha do
Brasil, resultado da iniciativa e força de vontade de uma cooperativa
de castanheiros com o apoio do governo do Amapá. Lula pode assim
testemunhar as possibilidades de um modelo de desenvolvimento capaz de
combinar atividade econômica com eqüidade social e conservação
ambiental.
No retorno, Lula falou do que viu e ouviu dos castanheiros. Fez
comentários otimistas, falando do futuro da Amazônia sustentável e da
participação no governo de quadros com a visão e experiência na
construção do novo paradigma, caso se elegesse presidente.
Os castanheiros do Iratapuru e de toda a região sul do Amapá
comemoraram a eleição de Lula. Afinal, tinham um presidente que sabia o
que era um castanhal, também festejaram nossa eleição para o Senado.
Consideravam-me uma voz confiável junto ao presidente. Não esqueciam o
dia em que chegamos juntos para visitá-los.
Poucos meses depois da posse, em Rio Branco, com pompa e circunstância,
Lula lançou o Programa Amazônia Sustentável (PAS). O documento, mesmo
sem que tivéssemos sido convidados a contribuir, preenchia o vazio da
falta de políticas públicas para a Amazônia. Saí da solenidade
convencido de que daríamos uma demonstração ao mundo, de competência
para desenvolver e conservar a Amazônia.
Depois daquela solenidade, nunca mais se ouviu falar do PAS. A Amazônia
continua detentora da maior biodiversidade do mundo, de 20% da água
doce do planeta, mas condenada à destruição pelo avanço dos
madeireiros, da soja, do boi, da transformação de essências em carvão
vegetal para produção de ferro e, agora, da cana-de-açúcar. Atividades
que contam com todo tipo de incentivos públicos, da pesquisa ao
financiamento subsidiado.
Enquanto isso, os castanheiros do Iratapuru e da região sul do Amapá,
que festejaram a eleição do presidente operário, perderam o apoio dos
governos federal e estadual. Relegados pelo poder público, sobrevivem
graças às parcerias com indústrias comprometidas com a conservação
ambiental e a responsabilidade social.
Ancorado na repressão aos crimes ambientais, o governo anuncia, depois
de mais uma reunião de emergência, que a lei vai ser cumprida com
rigor, doa a quem doer. Ora! Em um país que não consegue fazer cumprir
as leis nas cidades, onde o crime organizado divide o poder com o
Estado, como acreditar que agora o governo vai ter braços para chegar
aos criminosos que agem na floresta com a conivência de políticos que
compõem a base de sustentação do governo Lula?
Para concluir, repito o que digo desde o assassinato de Chico Mendes:
enquanto não se estabelecer em nossa sociedade uma nova relação
homem-natureza, que fundamente as políticas públicas para a Amazônia,
de nada vão adiantar reuniões de emergência ou ações virtuais para
apagar incêndios de verdade. A Amazônia vai continuar ardendo e nós
brasileiros vamos continuar sendo conhecidos como predadores diante dos
olhos do mundo.
*João Alberto Capiberibe, 60 anos, foi preso e exilado político
durante a ditadura militar, e depois elegeu-se prefeito de Macapá (AP),
governador e senador do Amapá. Atualmente, é o vice-presidente nacional
do PSB.
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