Domingo. Morumbi. São Paulo contra Noroeste.
Após fazer dois gols no time de Bauru, o tricolor cede o empate.
Vexame. Torcida irritada. Torcedor troglodita xinga o juiz de todos os
nomes. Depois, urra um "macaco!" para defensor negro do Noroeste.
Alguns se constrangem, mas ninguém protesta, até porque só tem branco
nas cadeiras numeradas. O Brasil é racista.
Negros são 13% da população dos Estados Unidos. Negros e pardos são 50%
da população do Brasil. Os EUA são mais racistas que o Brasil, reza a
lenda. Mas qual dos dois gigantes americanos está mais perto de eleger
seu primeiro presidente negro?
Sim, o país de Lula é mais racista que o país de Bush(e Obama). Pode
não ser um racismo institucional, explícito, como já foi nos EUA. Mas
somos mesmo um país desinstitucionalizado, nosso racismo, como nossa
economia, é informal.
Enquanto EUA e África do Sul colocaram em leis e placas sua
discriminação contra os negros, explicitando seu racismo hediondo, no
Brasil ele quase sempre foi dissimulado, tanto que chegamos a nos ver
como uma 'democracia racial'. Balela. Mais provas?
Salvador, maior metrópole negra fora da África, nunca elegeu prefeito
negro. Nova York, de maioria branca, sim (David Dinkins, 1990-93). O
Brasil não tem nenhum embaixador negro nos quadros do Itamaraty. Os EUA
têm vários. Seus últimos dois chanceleres foram negros: Colin Powell e
Condoleezza Rice, dois nomes-chave do governo Bush.
Aqui na editoria de Dinheiro, já buscamos algumas vezes executivos
negros nas corporações brasileiras para que relatem sua experiência no
mundo ariano em que vivem. A dificuldade de encontrá-los é enorme, e
seus relatos são desoladores. Entre nossos banqueiros, então, nem vale
à pena procurar. Já um dos bancos mais importantes dos EUA, o Merrill
Lynch, foi presidido por seis anos, até 2007, por um afroamericano,
Stanley O'Neal.
As razões para a desvantagem dos afrobrasileiros em relação aos
afroamericanos são complexas, fincadas nas ineficiências de nossa
democracia, de nosso sistema educacional e de nosso travado ambiente de
negócios, que estanca a mobilidade social.
Já nos EUA, a eficiência da democracia e, principalmente, o dinamismo
econômico criaram oportunidades para a população afrodescendente, que
ainda vive muito pior que os brancos e mesmo outras minorias, mas estão
bem melhores que os afrobrasileiros. São mais cidadãos.
Sim, há mais miscigenação racial no Brasil, enraizada na pré-história
do país. Enquanto a colonização norte-americana foi uma empreitada
familiar, a brasileira foi forjada por portugueses solteiros que
procriavam com a população original do 'novo' continente e depois com
as escravas africanas.
O Brasil foi o maior importador de escravos das Américas, trazendo ao
continente, segundo cálculos acadêmicos, sete vezes mais africanos que
os EUA. Quando, tardiamente, abolimos a escravidão, em 1888, negros e
mestiços eram maioria no país, o que levou nossa elite racista, nos
anos 1930, entusiasmada com o racismo 'científico' em voga na Europa, a
adotar política de imigração para atrair mão-de-obra branca européia,
barrando africanos e chineses e enfraquecendo nossa negritude.
A miscigenação racial continua até hoje (mas nunca entre a elite
branca), dando a impressão de democracia racial. Falso.
Agora não sabemos desfazer essa verdadeira herança maldita da
escravidão, que mesmo no século 21 permanece escancarada, embora não
institucionalizada, como prova o grito impune no Morumbi.
É um dos maiores desafios do Brasil.
Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S.
Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em
Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e
Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A
Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online
às quintas. E-mail: smalberg@uol.com.br --
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/sergiomalbergier/ult10011u376728.shtml
--
Linux 2.6.24: Arr Matey! A Hairy Bilge Rat!
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Led Zeppelin - "Nobody's Fault But Mine" (Presence)
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