quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Subcomissão quer proibir parlamentares de serem donos emissoras

URL: http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=25669


Lúcio Lambranho

Depois de um ano e oito meses de trabalho, a Subcomissão de Radiodifusão da Câmara fará, na próxima semana, seu embate final, que deve contrariar e constranger os deputados e senadores donos ou sócios de concessões de emissoras de rádio e TV.

É que a deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG) colocará em votação na Comissão de Ciência e Tecnologia da Casa, à qual a subcomissão está subordinada, o seu relatório final (leia a íntegra), que, entre outras mudanças previstas, proíbe parlamentares de serem proprietários, controladores, gerentes ou diretores de empresas de radiodifusão.

A proposta da deputada petista estabelece ainda a elaboração de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), adicionando mais um inciso ao artigo 222 da Constituição Federal, com o seguinte texto:

"Não poderá ser proprietário, controlador, gerente ou diretor de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens quem esteja investido em cargo público ou no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial."

Mais poder ao Congresso

A relatora propõe ainda outras duas PECs, que mudam a tramitação das concessões de emissoras no Congresso. As duas emendas suprimem incisos do artigo 223 da Constituição Federal.

O primeiro a ser retirado do texto, segundo a proposta, é o que prevê o apoio de, no mínimo, dois quintos do Congresso, em votação nominal, para cancelar uma concessão de rádio ou TV. O segundo é o que vincula a uma decisão judicial o cancelamento das concessões antes do prazo, atualmente de dez anos para as rádios e quinze para as TVs.

Na avaliação dos assessores do PT que trabalharam no relatório, os dois incisos inviabilizam, na prática, o cancelamento de concessões mesmo que o Congresso e o Executivo decidam pela não renovação das outorgas.

“Considerando que nem mesmo as leis ordinárias demandam quorum qualificado e votação nominal para aprovação, não há como justificar a preservação desse privilégio, que, ressalte-se, é garantido somente às concessionárias e permissionárias de rádio e televisão”, justifica a deputada do PT no seu relatório sobre o inciso 2º.

“O caráter público da atividade de radiodifusão não justifica a preservação dessa norma, sobretudo porque nenhuma outra espécie de prestador de serviço público dispõe dessa prerrogativa”, completa a deputada sobre a supressão do inciso 4º.

As mudanças são necessárias, segundo Maria do Carmo, já que o artigo 54 da Constituição Federal, que prevê que deputados e senadores não podem ter participação nesse tipo de empresa, não tem sido cumprido, sob a alegação de que o texto constitucional não é suficientemente claro.

Conflito de interesses

Mas, para começarem a tramitar, as PECs terão de vencer obstáculos, a começar pela aprovação dos 22 titulares da Comissão de Ciência e Tecnologia e pelo apoio de 171 deputados, número mínimo exigido para a apresentação de uma proposta de emenda constitucional. Depois disso, caso sejam aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial que analisará seu mérito, as propostas terão de receber o voto de 308 deputados, em dois turnos.

Apesar das dificuldades previstas, a relatora, Maria do Carmo, e a presidente da subcomissão, Luiza Erundina (PSB-SP), acreditam que a aprovação do relatório dará peso político a uma mudança necessária na regulação, por parte do Congresso e do governo, sobre o setor.

“Eu sou teimosa. Estou aqui há três mandatos e agora é hora de dar um peso político para a questão. Mas não me iludo porque esse relatório não vai passar sem resistência na comissão”, avalia a deputada do PSB, ex-prefeita de São Paulo.

"A propriedade e a direção de emissoras de rádio e televisão são incompatíveis com a natureza do cargo político e o controle sobre concessões públicas, haja vista o notório conflito de interesses”, completa a deputada Maria do Carmo Lara, lembrando que são os deputados e senadores que analisam, junto com a aprovação do Executivo, a renovação das concessões de radiodifusão.

Na mira da Justiça

Por conta desse mesmo conflito de interesses, o Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal entrou com seis ações públicas contra deputados e ex-deputados. Dois deles, Nelson Proença (PPS-RS) e Jader Barbalho (PMDB-PA), são titulares do colegiado e têm direito a voto sobre esse mesmo relatório da Subcomissão de Radiodifusão.

No caso do deputado gaúcho e de outros quatro ex-deputados, os procuradores da República consideraram que houve favorecimento pessoal nas concessões. Proença, sócio das Emissoras Reunidas em Caxias do Sul (RS), participou da votação em que foi analisado e deferido o pedido de concessão e renovação da outorga da sua emissora. 

No caso de Barbalho, ex-presidente do Congresso, o MPF propôs, no dia 16 de julho do ano passado, uma ação civil pública para anular a transferência de concessão de outorga entre as emissoras de TV Rede Brasil Amazônia de Televisão (RBA) e Sistema Clube do Pará de Comunicação, que pertencem ao deputado.

Ainda segundo o MPF, a concessão da RBA deveria ter sido extinta e um novo processo licitatório deveria ter sido feito pelo Ministério das Comunicações. O pedido de renovação de concessão da RBA no Congresso foi impedido pela devolução –considerada pelos procuradores "uma manobra política do governo" – de 225 processos que tramitavam na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara.

O ato do Executivo, de junho do ano passado, permitiu que a emissora aderisse ao regime de parcelamento de dívidas do governo e teve a concessão de outorga transferida ao Sistema Clube do Pará. Sem a devolução dos processos, a RBA teria sua concessão negada pela Câmara, segundo o MPF, já que a emissora estava em débito com a Receita Federal.

“Chances muito pequenas”

O relatório da deputada do PT tem como base dois levantamentos sobre a participação dos parlamentares no sistema de radiodifusão. O do professor Venício de Lima, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), que mostra que na legislatura passada, 51 deputados (10% da Câmara) controlavam diretamente emissoras de rádio e TV.

Já a pesquisa o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação de Porto Alegre (Epcom) mostra que, no mesmo período, 28 senadores eram controladores de emissoras.

Como revelou este site em março do ano passado ano (leia mais), um em cada cinco deputados da CCTCI tem ligações com emissoras de rádio ou TV. Dos 76 membros (titulares e suplentes) do colegiado, que tem o poder de analisar e aprovar projetos de outorga e renovação das concessões dos serviços de radiodifusão, 16 mantêm relações diretas ou indiretas com veículos de comunicação.

"Essa é uma grande caixa preta, e o cenário de agora é o mesmo na votação do capítulo da Constituição sobre comunicação de massa. Só mudaram os personagens. As chances desse projeto passar são muito pequenas", opina o pesquisador da UnB, Venício Lima.

“Concordamos totalmente com a proposta, mas também vamos sugerir que a proibição seja estendida para parentes até 1º grau dos políticos”, avalia Carolina Ribeiro, uma das integrantes do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), uma organização que trabalha pela democratização da comunicação no Brasil. O Intervozes vai propor uma série de mudanças no setor em uma audiência pública que discutirá o tema nesta quinta (26) na comissão da Câmara. 

“Tem que proibir geral”

Apesar dos questionamentos na Justiça Federal, o deputado Wladimir Costa (PMDB-PA) diz estar na disputa por concessões de rádios em 20 cidades do Pará. O deputado não mostrou constrangimento ao revelar ao Congresso em Foco sua intenção, mesmo sendo titular da comissão que analisa a concessão de novas emissoras.

“Tem muito parlamentar que é dono ou sócio de empresa que presta serviços para o governo. Como é que isso pode, e eu não posso ser dono de rádios? Se é para proibir, tem que proibir geral”, avalia o deputado paraense. “Eu discordo plenamente do projeto e acho que aqui isso não vai passar”, completa Wladimir Costa.

Para o ex-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Júlio Semeghini (PSDB-SP), a PEC dependerá de ajustes no texto, pois, segundo ele, terá problemas práticos para entrar em vigor. Semeghini ressaltou que “ninguém é deputado sempre”. Além disso, na avaliação dele, não é possível proibir que empresários do setor possam concorrer a cargos públicos nas eleições.

“O que o texto deve conter é uma proibição para que, no caso de serem eleitas, essas pessoas não possam comprar outras emissoras. Além disso, não é possível que deputados da comissão aprovem concessões deles mesmos”, avalia o tucano.

O Congresso em Foco tentou contato com os deputados Jader Barbalho e Nelson Proença para que eles pudessem apresentar suas versões sobre as ações do MPF, mas eles não retornam os pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem.

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