terça-feira, 25 de novembro de 2008

Congresso deixa de lado pacote da segurança pública

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Renata Camargo

Dos 35 projetos relacionados nos pacotes de segurança pública do Congresso, pautados nos últimos dois anos como prioritários no combate à violência, apenas seis foram convertidos em lei. Abafado em 2008 por assuntos como a crise financeira mundial, a Contribuição Social para a Saúde (CSS) e a proposição que resultou na Lei Seca, o conjunto de propostas foi deixado de lado por deputados e senadores.

Os pacotes da segurança pública foram elaborados em resposta aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, em maio de 2006, e ao brutal assassinato do garoto João Hélio Fernandes, arrastado em um carro por bandidos em fevereiro de 2007, no Rio de Janeiro. Entre as propostas de emenda constitucional e os projetos de lei destacados no período, três foram aprovados pelas duas Casas em 2008 e outros três no ano passado.

A falta de esforço dos parlamentares para tratar do assunto divide os especialistas. O grupo que defende o endurecimento da punição para criminosos cobra mais empenho dos congressistas. Por outro lado, a corrente que critica o agravamento das penas como medida para minimizar os impactos da violência questiona o próprio conteúdo dos projetos priorizados pelo Congresso.

“Esses pacotes são um reflexo da mentalidade do Legislativo brasileiro em relação à criminalidade. Ele busca endurecer as penas, acelerar o processo penal dentro dessa visão de punição e não considera crimes cometidos por ricos. Os projetos seguem na linha do ‘tolerância zero’. Funcionam como um remédio, mas não atingem a causa da violência, a questão coesão social”, avalia a doutora em sociologia Laura Frade (leia entrevista com a socióloga).

Dos projetos que compõem os dois pacotes, 14 estão prontos para serem votados em plenário, mas estão parados. Outros dez encontram-se à espera de parecer ou de apreciação nas comissões. Seis já foram aprovados pelas duas Casas, mas tiveram de ser remetidos novamente ao Senado por terem sido alterados na Câmara (veja o levantamento).

“Os projetos não são votados, primeiro, por causa do excesso de MPs [medidas provisórias] que o governo tem mandado para o Congresso. Segundo, porque os assuntos econômicos têm prioridade na pauta de votações, e terceiro, porque a mentalidade do governo é contrária ao endurecimento de penas. Então, não há prioridade para votar esses projetos”, admite o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que censura os argumentos contrários ao aumento de penalidades para combater à criminalidade.

“Hoje a filosofia dominante é que tem que soltar o preso e recuperá-lo. Essa é uma visão utópica. O mundo caminha com uma visão mais pragmática”, argumenta Demóstenes. “O Ministério da Justiça tem sido muito resistente ao aumento de penalidades. Isso é um atraso”, considera.

“Ruminação”

Na avaliação do advogado Paulo Castelo Branco, ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, faltam estudos técnicos para embasar os projetos de lei de segurança no Congresso brasileiro. Paulo argumenta que as leis aprovadas têm aplicações em casos restritos e são pensadas apenas a partir de crimes de comoção nacional.

“De modo geral, o Parlamento apresenta medidas para aumento de penas. E isso está comprovado que não é solução. No caso, por exemplo, de aumentar a penalidade para crime de pedofilia, não representa coibir o criminoso, pois esse tipo de criminoso não está se preocupando com a pena”, avalia. “Ficamos sempre nessa ‘ruminação’ de lei e, de vez em quando, soltamos algumas soluções”, considerou o ex-secretário.

As críticas aos pacotes também recaem sobre a falta de previsões para crimes de colarinho branco. Segundo a socióloga Laura Frade, apenas um projeto sobre essa temática tramita no Congresso: o PL 209/2005, que extingue a possibilidade de pagamento de fiança ou decretação de liberdade provisória para os crimes de corrupção ativa e passiva.

“Esse tipo de projeto não é incluído nos pacotes de prioridade para a área de segurança. Os crimes ‘graves’, que vêm tendo aumento de pena, são os que os pobres cometem. Quem rouba o dinheiro da merenda das crianças, quem comete crimes de corrupção, nem sequer são apresentados”, defende Laura.

Para o presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), a falta de proposta para esses tipos de prática é justificada porque o país já dispõe de legislação adequada para combater e inibir crimes de colarinho branco. O parlamentar avalia que leis sobre lavagem dinheiro, por exemplo, podem ser aprimoradas, mas esse não deve ser o foco. “É reconhecido que se tem no Brasil uma boa lei de colarinho branco. Além do mais, o Congresso não tem muito especialista em crimes financeiros”, argumenta.

À espera

Entre as propostas dos pacotes que aguardam apreciação, estão a que prevê a adoção da videoconferência como regra no interrogatório judicial e a que estabelece a redução da maioridade penal, além de uma proposição que cria o regime penitenciário de segurança máxima e inclui na legislação medidas para permitir um melhor combate ao crime organizado.

“Esse projeto da segurança máxima é importantíssimo. Especialmente, porque o Brasil é signatário da Convenção de Palermo, uma convenção das Nações Unidas que prevê mais rigor no combate ao crime organizado”, argumenta o senador Demóstenes. “Essa proposta é uma maneira de isolar o chefe da quadrilha”, explica também o ex-secretário Paulo Castelo Branco.

Uma das proposições em tramitação no Congresso autoriza o Poder Executivo a instituir o Programa de Subsídio Habitacional para policiais federais, rodoviários federais, militares, civis e corpos de bombeiros militares. Outro projeto diminui a contagem de tempo para remição, de um dia de pena por dois de trabalho ou de trabalho e estudo. “Hoje dois terços dos policiais militares vivem em más condições habitacionais. E esse outro projeto é um incentivo ao trabalho”, justifica Demóstenes.

Virou lei

Neste ano, foram convertidos em lei três projetos que modificam o Código de Processo Penal (leia mais). Novas regras foram criadas para o Tribunal do Júri, ficando extinto o protesto para novo júri para condenados a mais de 20 anos de prisão. Também foram aprovadas a proposta que veda qualquer utilização de provas obtidas por meios ilícitos, como grampos telefônicos sem autorização judicial, e a que prevê a absolvição sumária se o juiz perceber que o caso é de legítima defesa.

No ano passado, foi sancionada a lei que tornou falta disciplinar grave o uso de telefone celular por presos. Também viraram lei a proposta que endureceu os critérios para a progressão de pena nos crimes hediondos e a que determinou que a contagem do prazo de prescrição de crimes será interrompida quando for publicada a sentença ou o acórdão condenatório recorrível (leia mais).

Progressos

Relator do mais antigo dos projetos do pacote, o PL 3569/1993 – que aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara –, o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) considera que o Congresso teve êxito significativo em relação à aprovação de projetos da área de segurança. “Conseguir aprovar seis projetos sobre segurança é significativo. No conjunto de matérias aprovadas este ano, a segurança foi uma das mais priorizadas”, considera.

O parlamentar afirma que, em matéria de segurança, o Congresso este ano não se limitou a apreciar as propostas constantes dos pacotes. O deputado cita como exemplo a aprovação do PL 3773/08, que aumenta as penas para crimes de pedofilia (confira). “Conseguimos fazer um bom trabalho. Os projetos mais importantes e os que tinham clima de maior entendimento e consenso foram votados”, constatou.

Satisfeito com os resultados, Dino avalia que nenhum outro projeto da área de segurança deve ser votado neste final de ano. “Fizemos um bom trabalho, fora os projetos que foram apresentados na área”, disse. Entre os projetos apresentados este ano, está o PL 3730/08, do deputado Silvinho Peccioli (DEM-SP), que estabelece pena de reclusão de três a seis anos e multa para a autoridade policial ou carcerária que submeter preso sob sua responsabilidade a tratamento cruel, desumano ou degradante.

Em 2008, o assassinato da jovem Eloá Cristina Pimentel, em Guarulhos, e da garota Isabela Nardoni, em São Paulo, reacenderam as discussões sobre penas mais severas para crimes hediondos. O PL 3924/2004, do deputado Carlos Souza (PP-AM), que proíbe o réu em crime hediondo de recorrer da sentença em liberdade, voltou a ser debatido logo após o trágico desfecho do seqüestro de Eloá.

“Quando há um fato grave de repercussão nacional, criam-se comissões especiais, grupos, projetos de lei. Há uma movimentação e são elaboradas propostas para dar uma resposta à sociedade. Quando cessa o clamor público elas caem no esquecimento. O que é lamentável”, critica o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), membro da Comissão da Segurança Pública e ex-secretário nacional de Segurança Pública.

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