quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Fw: O que tanto comemoram?

URL: http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=21177

"Toda idéia falsa termina em sangue, mas é sempre o sangue
alheio" (Albert Camus)

Osvaldo Martins Rizzo*

No início dos anos 90, como hoje, a economia dos EUA cambaleava. Após
ouvir de um alto assessor os planos pró-mercados do governo do
presidente mexicano Carlos Salinas, o acadêmico norte-americano Samuel
Huntington exclamou: "Incrível! Parece que vocês querem mudar o México
de uma nação latino-americana em um país norte-americano". Ao que o
assessor presidencial respondeu: "Exato. É precisamente o que queremos,
mas obviamente não podemos dizê-lo em público".

Desnecessário lembrar o ruinoso fim que teve esse governo. Seguindo o
receituário neoliberal, Salinas adotou um errático regime cambial –
fazendo do México o fugaz paraíso da classe média perdulária
consumidora de carrões importados e viagens internacionais – que
obrigou seu sucessor, Ernesto Zedillo, a desvalorizar o peso ao tomar
posse, e a pedir dinheiro emprestado aos organismos internacionais de
crédito para honrar os compromissos de curto prazo, pois o déficit nas
contas externas havia sugado rapidamente as reservas cambiais. A grave
crise que se seguiu contaminou outros países pelo chamado "efeito
tequila".

Essa tendência à "macaquice intelectual" – a trivial adoção de idéias
alheias isentas das condições locais – constitui-se numa característica
presente na maioria dos países que formam a periferia da economia
mundial presunçosamente chamados de "emergentes". Exceções são raras.
Na crise asiática de 1.997, por exemplo, Cingapura foi o único país que
se recusou a cumprir os ditames da comunidade econômica internacional,
sendo também o que melhor e mais rapidamente se recuperou do colapso.

As autoridades brasileiras, no geral, são fiéis discípulas desse rol de
idéias alienígenas que, em última instância, visa apenas a eternizar o
padrão da exploração mundial do trabalho e dos ganhos de capital
decorrentes. Esse sistema impõe às nações periféricas a dura tarefa de
exportar commodities, serviços baratos e manufaturados de baixo valor
agregado, sem ameaçar a hegemonia tecnológica/financeira dos países
ricos.

No momento, assiste-se ao preâmbulo da obtenção do supervalorizado grau
de investimento (investment grade) que, para muitos, representa a
panacéia solucionadora de todos os males que oprimem o brasileiro comum
desde os baixos salários até a crescente violência urbana, além da
erradicação da dengue.

Mas, afinal, qual o significado de que um país está ranqueado como
investment grade?

Em apertada síntese, essa classificação espelha apenas a opinião de
agências internacionais de análise de risco de crédito de que aumentou
a capacidade do país honrar suas dívidas em moeda estrangeira. Ou seja,
cai a probabilidade que se dê o calote na dívida externa, como fez
Sarney em 1.987 e o ministro Mantega dizia que faria antes de ocupar
cargos públicos e mudar de idéia.

Porém, quanta credibilidade restou a essas agências após o fiasco de
terem dado o grau de investimento para a dívida hipotecária
norte-americana que, agora se sabe, é um grande estoque de papéis
podres? O fato de a Comissão Européia decidir investigar essas
classificadoras –antecipadamente remuneradas pelas próprias empresas e
instituições que avaliam – não destrói irremediavelmente a reputação
dessas mercenárias serviçais dos grandes especuladores que podem jogar
a economia dos EUA numa recessão, arrastando o resto do mundo junto?
Pra que festejar o recebimento de um título outorgado por inconfidentes?

Deveras, promover ao grau de investimento os bônus do governo
brasileiro pode até aumentar o ingresso de capitais de longo prazo, mas
também os especulativos conhecidos como "colondrinas" que, ante o sinal
de crise, voam para longe. Ao fugir, esse hot money suga as reservas
cambiais fazendo com que os brasileiros voltem a sangrar para
equilibrar as contas externas, como fizeram no segundo governo FHC.

A história ensina que nenhum país se desenvolveu com capital externo.
Obter o grau de investimento pouco melhorará a vida do cidadão médio,
mas pode piorá-la muito. Há anos, o México tem essa graduação. Mesmo
assim, 20% da população mexicana tentam sobreviver ganhando menos de
US$ 2 por dia e, anualmente, cerca de 400.000 mexicanos fogem para os
EUA em busca de condições decentes de vida.

As autoridades brasileiras que estão celebrando a promoção ao
investment grade apenas repetem o retrógrado lema celebrado na frase de
John Maynard Keynes: "A sabedoria mundial conservadora ensina que é
melhor falhar de modo convencional do que ser bem sucedido de forma não
convencional".

*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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