domingo, 24 de fevereiro de 2008

Fw: “Carta ao Ministro da Educação”

URL: http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=21160

Por Clarice Lispector

"Em primeiro lugar queríamos saber se as verbas destinadas para a
educação são distribuídas pelo senhor. Se não, essa carta deveria se
dirigir ao presidente da República. A este não me dirijo por uma
espécie de pudor, enquanto sinto-me com mais direito de falar com o
ministro da Educação por já ter sido estudante.

O senhor há de estranhar que uma simples escritora escreva sobre um
assunto tão complexo como o de verbas para educação – o que no caso
significa abrir vaga para os excedentes. Mão o problema é tão grave e
por vezes patético que mesmo a mim, não tendo ainda filhos em idade
universitária, me toca.

O MEC, visando evitar o problema do grande número de candidatos para
poucas vagas, resolveu fazer constar nos editais de vestibular que os
concursos seriam classificatórios, considerando aprovados apenas os
primeiros colocados dentro do número de vagas existentes. Essa medida
impede qualquer ação judicial por parte dos que não são aproveitados,
não impedindo, no entanto, que os alunos tenham o impulso de ir à ruas
reivindicar as vagas que lhe são negadas.

Senhor ministro ou senhor presidente: "excedentes" num país que ainda
está em construção? ! e que precisa com urgência de homens e mulheres
que o construam? Só deixar entrar nas Faculdades os que tirarem
melhores notas é fugir completamente ao problema. O senhor já foi
estudante e sabe que nem sempre os alunos que tiraram as melhores notas
terminam sendo os melhores profissionais, os mais capacitados para
resolver na vida real os grandes problemas que existem. E nem sempre
quem tira as melhores notas e ocupa uma vaga tem pleno direito a ela.
Eu mesma fui universitária e no vestibular classificaram-me entre os
primeiros candidatos. No entanto, por motivos que aqui não importam,
nem sequer segui a profissão. Na verdade eu não tinha direito à vaga.

Não estou de modo algum entrando em seara alheia. Esta seara é de todos
nós. E estou falando em nome de tantos que, simbolicamente, é como se o
senhor chegasse à janela de seu gabinete de trabalho e visse embaixo
uma multidão de rapazes e moças esperando seu veredicto.

Ser estudante é algo muito sério. É quando os ideais se formam, é
quando mais se pensa num meio de ajudar o Brasil. Senhor ministro ou
presidente da República, impedir que jovens entrem em universidade é
crime. Perdoe a violência da palavra. Mas é a palavra certa.

Se a verba para universidades é curta, obrigando a diminuir o número de
vagas, por que não submetem os estudantes, alguns meses antes do
vestibular, a exames psicotécnicos, a testes vocacionais? Isso não só
serviria de eliminatória para as faculdades, como ajudaria aos
estudantes em caminho errado de vocação. Esta idéia partiu de uma
estudante.

Se o senhor soubesse do sacrifício que na maioria das vezes a família
inteira faz para que um rapaz realize o seu sonho, o de estudar. Se
soubesse da profunda e muitas vezes irreparável desilusão quando entra
a palavra 'excedente'. Falei como uma jovem que foi excedente,
perguntei-lhe como se sentira. Respondeu que se sentira desorientada e
vazia, enquanto ao seu lado rapazes e moças, ao se saberem excedentes,
ali mesmo começaram a chorar. E nem poderiam sair à rua para uma
passeata de protesto porque sabem que a polícia poderia espancá-los.

O senhor sabe o preço dos livros para pré-vestibulares? São caríssimos,
comprados à custa de grandes dificuldades, pagos em prestações. Para no
fim terem sido inúteis?

Que estas páginas simbolizem uma passeata de protesto de rapazes e
moças."

Clarice Lispector, 17 de fevereiro de 1968

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