quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Fw: “Lugar 100% você nunca vai encontrar”

URL: http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=20898


Lúcio Lambranho

O contraste entre o trabalho social do Instituto Ayrton Senna e as
condições de trabalho na fazenda, que tem um patrimônio avaliado em
mais de R$ 11 milhões, é colocado de forma contundente pelos fiscais do
Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, conforme relato feito na ação
civil pública:

"O odor no local era insuportável. Devido à sujeira e às condições do
local, os trabalhadores, em sua maioria, utilizavam o mato para fazer
suas necessidades fisiológicas de excreção, ficando expostos ao ataque
de animais peçonhentos."

As condições de trabalho dispensadas aos trabalhadores, atestam os
fiscais, "eram as piores possíveis". Situação semelhante, segundo a
ação, também foi encontrada no refeitório da fazenda.

"O local para preparo dos alimentos era totalmente inadequado. Não
havia iluminação apropriada e o calor no ambiente era extremo. Os
trabalhadores responsáveis pela manipulação dos alimentos não usavam
equipamento de proteção".

Nutricionistas

A versão de Ubirajara Guimarães, o Bira, um dos sócios do
empreendimento rural, é de que o local visitado pelos fiscais do grupo
móvel era o único que não se enquadrava nos padrões do Ministério do
Trabalho e que, por isso, estava prestes a ser reformado.

O empresário, que vive em São Paulo, atribui a má conservação do local
e os problemas encontrados pelos fiscais aos próprios trabalhadores
temporários da fazenda.

"Os trabalhadores que estavam lá não têm muito asseio. Lá é um lugar
espetacular e não temos como dar conta disso. Lugar 100% você nunca vai
encontrar. Não se pode tomar conta se a pessoa vai ou não tomar banho",
argumenta.

"Nós do Instituto Ayrton Senna atendemos milhões de crianças",
completou o empresário tentando comparar as ações dos sócios do
empreendimento rural com o trabalho social da família Senna.

Em entrevista à revista Dinheiro Rural, Bira faz questão de destacar a
capacidade da fazenda para atender as necessidades dos funcionários. "A
fazenda possui quatro refeitórios, que podem fornecer até 1.200
refeições diárias preparadas sob acompanhamento de nutricionistas.
Nesse período, matamos um boi por dia para alimentar o pessoal".

A descrição feita pelos fiscais do grupo móvel que fizeram a autuação,
no entanto, deixaria estarrecido qualquer nutricionista:

"Os alimentos eram manipulados sem qualquer cuidado ou higiene. Os
utensílios de cozinha encontravam-se espalhados, amontoados pelos
cantos e no chão. O almoço e o jantar eram preparados a um só tempo,
pela manhã, e os alimentos preparados ficavam nas próprias panelas, em
temperatura ambiente alta, sujeitos à deterioração."

Pulverização por aviões

Apesar de ter uma das maiores produções de grãos da região de
Barreiras, a fazenda Campo Aberto tem mesmo é o algodão como principal
cultura. Segundo as informações dos sócios publicadas na revista
Dinheiro Rural, 95% da produção foram exportados em 2006. Para dar
conta dos 2,5 mil hectares de algodão e de outros 500 hectares de café,
as lavouras são pulverizadas com agrotóxicos por meio de aviões.

O problema, segundo os fiscais, é que os funcionários não eram avisados
sobre o horário da pulverização. "O resultado é que ficavam
impossibilitados de afastar-se dos locais aspergidos em tempo de não
serem contaminados. Ressalte-se que não havia qualquer sinalização das
áreas pulverizadas", afirma o relato dos fiscais do grupo móvel.

Como conseqüência da exposição aos agrotóxicos, segundo a denúncia,
alguns trabalhadores reclamaram durante a fiscalização de incômodos na
garganta, mal-estar e cansaço respiratório. "O empregador não fornecia
aos trabalhadores qualquer informação ou treinamento sobre
agrotóxicos", diz a denúncia.

"Que é a lei, não é?"

Os fiscais do MTE descrevem a situação dos trabalhadores da Campo
Aberto como "um quadro humano estarrecedor" e também afirmam,
reproduzindo depoimentos, que havia restrição à liberdade dos
contratados.

Um dos exemplos citados é o do lavrador José de Jesus. Ele diz que só
podia sair da fazenda no primeiro sábado após o dia 5 de cada mês. "Que
é a lei, não é?", emenda o trabalhador. "Gostaria, se pudesse, de (sic)
sair outras vezes da fazenda, mas não havia como, pois é muito longe e
não há transporte", completa José de Jesus.

Segundo o relatório do MPT, mesmo se pudessem deixar a fazenda, os
trabalhadores "tinham que aguardar até que, conforme o arbítrio do
empregador, fosse disponibilizado o transporte até a cidade de Luís
Eduardo Magalhães (BA), centro urbano mais próximo da fazenda Campo
Aberto".

Como a cidade fica a cerca de 100 km da fazenda, a distância também era
usada para pressionar os trabalhadores a aceitarem o valor da
remuneração imposto pelos donos da fazenda, de acordo com a denúncia.
"A remuneração não é informada no ato da contratação, mas sim quando
chega na fazenda, a centenas de quilômetros da cidade, onde,
obviamente, pelas circunstâncias, acha-se o obreiro em posição de
sujeição, fragilidade, franca desvantagem para negociar melhor
remuneração", afirma o texto da ação.

"Gatos"

Ainda segundo a denúncia, os trabalhadores da fazenda eram aliciados
ilegalmente pelos intermediadores de mão-de-obra, os chamados "gatos".
No ato da contratação, de acordo com a acusação, os empresários faziam
com o que os trabalhadores assinassem documentos em branco e contratos
de trabalho que traziam diferentes valores para o pagamento do serviço.

"Como se vê, estando na fazenda, a centenas de quilômetros da
civilização, essa parafernália de padrões remuneratórios é a fórmula
perfeita para impedir que o empregado, pessoa de poucas luzes, tenha a
mínima condição de discutir com o apontador (fiscal de campo) os preços
deste ou daquele hectare roçado", dizem os fiscais do MTE.

Com base nesses fatos, o procurador do Trabalho classifica o negócio
capitaneado pela família Senna como um "projeto patronal ilícito e
imoral, de redução de custos com pessoal a cifra de milhões".

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