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Marcelo Mirisola *
Faz um mês que o paraibano Rinaldo Fernandes me entrevistou no rinaldofernandes.blog.uol.com.br. Esta crônica é uma extensão da entrevista. Eu não queria perder a oportunidade de pôr mais lenha na fogueira. Pois bem, a idéia central é a de que jamais vivemos uma época e uma vida de gado como a que vivemos nos dias atuais. Eu disse a ele que tinha a impressão de que o mundo acabaria num grande mugido.
A questão é que nos últimos anos, a população bovina só fez aumentar e – hoje – ameaça explodir a camada de ozônio com os seus programas de televisão, palpites furados, sushis e peidos irrelevantes – esses últimos, segundo os especialistas em biosfera, não seriam assim tão irrelevantes; ao contrário, seriam de fato a maior ameaça para a camada de ozônio. Há divergências. Para confrontar os cientistas, eu deveria ter sugerido ao Rinaldo que comparasse o começo do século XXI com o final do século XIX. Não o fiz.
Faço agora. Consta que naquela época não tinha Big Brother, nem internet, nem o Caetano Veloso. Mas decerto a vaidade e a vontade de aparecer já existiam. A diferença é que o caboclo não dispunha dos efeitos especiais (ou a tecnologia) de que dispõe hoje para enganar os desavisados. No século XIX, não existia pizza de frango com borda recheada de catupiry. Ou você era um Eça de Queiroz ou era um Mané. O homem moderno nada mais é do que o avanço tecnológico do Mané (ou panaca).
Acontece que o panaca deixou de ser um estigma individual para se tornar expressão de identidade coletiva. Em suma, venceram (eles são muitos) por correspondência e superioridade numérica. Há 40 anos Nelson Rodrigues já havia dado o sinal de alerta. O autor de O casamento pressentiu, entre outros enlaces, o conluio de Luciano Hulk & Angélica. Mas, sobretudo, farejou os seus mais nefastos desdobramentos, ou seja: o forró universitário, a república dos sindicalistas e os game shows que infestariam as televisões nos horários matutinos,vespertinos e noturnos. Muuuuuu.
Hoje em dia todo mundo tem talento. Todo mundo é artista. Basta fazer uma dúzia de tatuagens, um tererê e juntar com um trocadilho e mais uma rima – tanto faz se a “arte” vir acompanhada de cara feia ou de beijinhos no coração. A platéia vai corresponder de um jeito ou de outro. Sabem por quê? Porque no pasto todos têm afinidade. O Mané pode ser vocalista de uma banda de Axé ou cover da Bjork, arranhador de vinil, VJ da MTV, qualquer coisa, tanto faz pichar o muro da casa da dona Alzira ou se candidatar a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
Nunca houve tanto crédito no pasto, digo, na praça. Pegue um empréstimo no caixa eletrônico, financie sua melancia no pescoço em até 48 vezes,e seja parceirinho do seu traficante. Ou fale com os seus compadres e descole uma bolsa da Petrobras.
A época é de inclusão e interação (essa é a palavra maldita). Vejam os blogs. O que antes era rascunho virou fato consumado. O blogueiro posta a imagem de uma elefanta cagando, depois faz uma rima e deposita um trocadilho em cima da merda e ... voilà! No instante seguinte, meia dúzia de palpiteiros o consagram como gênio da raça. Então um cineasta filma a cagada com subsídio do governo e o blogueiro, dentro de pouco tempo, estará dando seus palpites e desfilando sua ignorância nos game shows da vida. Resultado: o poder é uma simulação e essa realidade paralela de poder abarca o sujeito e o objeto, e fatalmente compromete o resultado. Às vezes, algo que até podia ser interessante (claro que não estou falando do cocô de elefanta...) é deixado de lado em virtude da interação, da resposta imediata. Que, embora possa ser trasladada para o mundo real e virar camiseta no camelô, jamais deixará de ser uma manifestação virtual e passageira. Ouro de tolo.
Em seguida ele, ainda que gênio mesmo, se transformará num panaca inopinado. Popularmente conhecido como bola da vez. Vai virar mais uma sujeira de umbigo para o monstro da Net Mídia – que aceita qualquer coisa – incorporar e pulverizar. Isto é, esvaziar. O que significa,em última análise: manter sob controle. A pergunta é: controle de quem?
Não sei, e não quero, aqui, criar nenhuma teoria da conspiração. Mas posso assegurar que a internet é a expressão e a extensão mais bem acabada da babaquice em que nos metemos; afinal, é um imenso e ilimitado pasto que engorda e tritura os eventuais talentos e as mais legítimas ilusões. A meu ver, a pior ilusão é fazer acreditar na liberdade e no individualismo. Não há diferenças no pasto virtual, apenas mugidos. Aliás, faço questão de dizer que, embora a contragosto – aqui e agora – nada mais estou fazendo do que me incluir nesse rebanho. Muuuuu.
Em três cliques de mouse, a dona de casa blogueira pode achar que vai derrubar o Lula, ou ser Freud, Marx e – no final das contas – terminar como a Agente 99, namorada do Agente 86. A platéia, que são todos e não é ninguém, aplaude e quer interagir. O que antes era suor e trabalho foi substituído pelo afago e a contrapartida ao afago é mais afago. A receita de nhoque e as grandes subversões se equivalem: porque são feitas da mesma massa, e pela metade. Ninguém enfia até o talo. Às vezes um pai enlouquece e joga a filha da janela (por enquanto, isso é uma exceção). Mas, como eu dizia, temos a SuperNanny para resolver os casos extremos, e esse couro de pica (ou simulacro) se estende para o dia-a-dia, vale para o futebol, e vale para as filas dos restaurantes por quilo.
São três perguntas que não querem calar:
1ª (essa lebre foi levantada pelo meu chapa Evandro “Grogotó” Ferreira): Como é que alguém pode sair de casa para comer comida caseira?
2ª: Cadê o Serginho Chulapa?
3ª: Se 12% ao mês nem parece banco, parece o quê? Revista Piauí? Parece a consciência lírica dos irmãos Joãozinho e Waltinho Salles?
Prosseguindo. O que vou dizer agora é surpreendente. Acredite se quiser: a praga meia-boca atingiu a nova safra de políticos. Eu já havia apontado esse caso na crônica da semana passada. Nunca é demais repetir. Seguinte: há questão de dois ou três anos, a ex-VJ Soninha (hoje colunista de jornal e candidata a prefeita da cidade de São Paulo) dizia numa entrevista que era maconheira, sim, mas pagava suas contas em dia.
Que conversa é essa? “Me drogo, mas pago minhas contas em dia”? Se for para escolher entre uma maconheira que paga suas contas em dia e um candidato que “estupra mas não mata”, ora, eu vou anular meu voto (e sugiro que vocês façam o mesmo); muito embora isso não queria dizer absolutamente nada para os motoristas de táxi – que ficarão com a segunda opção sem pestanejar.
Só posso concluir que as almas foram esquartejadas, e que ninguém mais encara o fundo do poço. Tampouco o diabo. Esse pobre coitado que é exorcizado todas as segundas e quintas-feiras nas Igrejas do Bispo Edir, e nem tem a chance de mandar os pastores-meganhas para a puta-que-o-pariu. Pois eu mando aqui e agora, em nome de Jesus!
Por que o excesso de zelo? Por que tanta prudência?
O que fazer? Escrever uma crônica pela metade? Nem pensar. Vou citar William Blake: “A prudência é uma rica rapariga que não casou, a quem a incapacidade faz corte”.
Portanto, raparigas, quando um Mané disser a vocês que vai enfiar só a cabecinha, considerem a hipótese. Muito provavelmente, ele estará falando a verdade. Porque trata-se de um covarde. E a natureza do covarde é a tocaia – o fdp pode estar escondido na casinha do cachorro, numa lan house ou no quarto ao lado do seu, disfarçado de sua mãe. Evidentemente que não há garantias de que sua mãe não é uma drag queen cujo verdadeiro nome é Osama Bin Laden. Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuu.
PS: Continua a Mostra do Cemitério de Automóveis no Rio de Janeiro. Todas as sextas, sábados e domingos à partir das 20h. No Teatro Ziembinski, defronte a estação São Francisco Xavier, na Tijuca. No próximo final de semana, Kerouac, monólogo de Mauricio Arruda Mendonça, com Mário Bortolotto na pele do autor de On the Road.
*Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.
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