Lúcio Lambranho
Enquanto finaliza o projeto lei que pretende alterar a forma de
concessão dos Certificados de Entidade Beneficente de Assistência
Social (Cebas), o Ministério da Previdência Social (MPS) guarda há
quase nove meses um parecer que pede o cancelamento do registro
filantrópico do Hospital Israelita Albert Einstein.
A inércia nesse julgamento sobre a isenção da cota patronal de INSS do
hospital paulista – o preferido por políticos, incluindo o presidente
Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e empresários
influentes – contrasta com as declarações do ministro Luiz Marinho de
que falta pessoal para julgar processos acumulados na consultoria
jurídica do MPS. Afinal, nesse caso, o parecer já está pronto desde o
primeiro semestre do ano passado.
Caso Marinho aceite o parecer esquecido, os cofres públicos poderão
reaver cerca de R$ 300 milhões, dinheiro que poderia ser aplicado em
saúde pública (leia mais). O acúmulo de processos parados no MPS, um
verdadeiro baú com 1.765 recursos administrativos formulados contra
decisões do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão
ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e
que concede o Cebas, foi mostrado com exclusividade pelo Congresso em
Foco (leia mais) ainda em novembro de 2007.
O parecer contrário ao Albert Einstein faz parte de uma auditoria ainda
em andamento na Advocacia Geral da União (AGU), conforme apurou a
reportagem. Por meio de sua assessoria, a AGU confirma que "há um
procedimento correicional da Corregedoria Geral da AGU junto ao MPS
sobre a questão do Cebas".
No entanto, diz o comunicado, como o procedimento ainda não foi
concluído, o processo é sigiloso. A AGU também informa que o
"procedimento correicional não significa, necessariamente, que haja
algo errado". "São procedimentos de rotina da Corregedoria para
identificar, inclusive, carências de pessoal e de material", ressalva a
nota.
"Não havia SUS"
No caso específico da entidade paulista, a análise jurídica deixada de
lado pela equipe de Marinho pede a anulação da renovação do Cebas para
o triênio 2001/2003, concedida pelo ex-ministro da pasta Amir Lando.
A decisão de manter o certificado de filantropia do hospital teve como
base o parecer 335/2004, assinado em 10 de outubro de 2004, pelo então
consultor jurídico Isaac Ramiro Bentes, indicado por Lando. Esse
parecer é alvo de uma ação popular (veja a íntegra) em tramitação na
16ª Vara Federal de Brasília.
Para renovar o Cebas do Einstein, que dá direito à isenção
previdenciária, Bentes afirma que o hospital não tinha condições de
cumprir o requisito que exige que o hospital preste 60% dos seus
atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou 20% gratuitamente por
culpa do próprio governo federal.
"Da análise dos autos, constata-se que o Hospital Albert Einstein não
destinou 60% de seus serviços ao SUS nos anos de 1998 e 1999 por culpa
do próprio Poder Público, pois não havia SUS no Município de São Paulo
– onde se encontra a sede do Hospital –, o que impossibilitava a
celebração do respectivo convênio", diz o parecer do então consultor do
MPS.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Saúde (MS)
informou ao site que, ainda em 1992, o SUS já estava implantado em todo
o país, fato que derrubaria os argumentos do consultor jurídico do
ex-ministro Amir Lando.
Hospital estratégico
Também do MS parte outro parecer que contraria a justificativa de Isaac
Bentes para renovar o Cebas do hospital paulista. Trata-se da alegação
do Einstein de que não precisaria cumprir os requisitos legais de
gratuidade ou de atendimento pelo SUS, pois tinha sido declarado
hospital estratégico ainda em 2002.
O parecer de Isaac Bentes também é contrariado pela análise de outros
dois consultores jurídicos do Ministério da Saúde, Guilherme Benages e
Adilson Bezerra.
"Mesmo que algum certificado de entidade beneficente tenha sido emitido
com base na qualificação do hospital como estratégico, deve ele ser
cancelado pelo CNAS", dizem os dois advogados da União junto ao MS.
A principal alegação é de que o Decreto 4.588, de 7 de fevereiro de
2003, revogou a possibilidade de os hospitais considerados estratégicos
e com o Cebas não precisarem mais atender pelo SUS ou prestarem
serviços gratuitos sobre o percentual de sua receita bruta como
determina a lei.
Além dessas contestações, um parecer de outubro de 2003 – quase um ano
antes do assinado por Isaac – feito pela própria consultoria do MPS,
também desconsiderava a alegação de hospital estratégico.
Receitas financeiras
"Embora o Hospital Albert Einstein tenha sido reconhecido pelo
Ministério da Saúde como Hospital Estratégico, tal fato não tem
qualquer relevância para o presente processo, eis que os requisitos a
serem cumpridos são previstos na legislação vigente à data dos
exercícios apresentados, ou seja, nos anos de 1997, 1998 e 1999", diz o
parecer do então consultor Idervânio da Silva Costa.
Idervânio se refere ao triênio 1997/1999, quando o Einstein não atingiu
o percentual de 20% de gratuidade sobre receita bruta e também não fez
nenhum atendimento pelo SUS. A renovação do Cebas sempre leva em conta
o triênio anterior à análise do CNAS e de recursos analisados pela
assessoria jurídica do MPS.
Ainda em 14 de abril de 2001, o analista da Previdência Nelito Ramos
informava ao CNAS que o hospital "deixou de incluir as receitas
financeiras" na composição da receita bruta. Dessa forma, diz o
parecer, o Einsten tinha percentual de gratuidade de 16%, 12,29% e
11,71%, entre 1997 e 1998, respectivamente, portanto abaixo dos 20%
exigidos pela lei.
Ministério nega parecer
Mesmo com essas informações, o CNAS renovou o Cebas do hospital em 22
de novembro de 2002. O site apurou que pelo menos um recurso ainda
pendente de julgamento no CNAS também pede a revogação do certificado.
O Congresso procurou o CNAS, mas não obteve retorno até o fechamento
desta reportagem.
Idervânio da Silva Costa, promovido a coordenador da consultoria
jurídica do MPS na gestão do ex-ministro Nelson Machado, pediu
informações ao CNAS em 5 de agosto de 2005.
Fontes envolvidas com o processo disseram ao site que Idervânio pediu
um novo parecer, já que o dele tinha sido ignorado pelo assessor de
Amir Lando em 2004, iniciando assim um processo de revisão não
concluído até hoje, apesar de já existir uma análise pronta sobre o
tema, mas ignorada pelo ministro Luiz Marinho. Idervânio, hoje no cargo
de assessor da secretaria-executiva do Ministério da Fazenda, ocupada
por Nelson Machado, preferiu não comentar o caso. Disse por meio de sua
assessoria que não poderia se pronunciar sobre o seu parecer e o
imbróglio no MPS em favor do hospital paulista.
O MPS alega, também por meio de sua assessoria, que o parecer não
existe (leia a íntegra das alegações) e informa que já julgou 15
processos durante a gestão de Luiz Marinho.
Ação popular
Já existe uma liminar do TRF da 1ª Região pedindo para suspender os
efeitos do ato de renovação do Cebas do Hospital Albert Einstein entre
2001 e 2003. A decisão, de 25 de outubro de 2007, é da desembargadora
federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues.
A desembargadora acolheu o agravo de instrumento impetrado pelo
procurador da República Carlos Henrique Martins, um dos integrantes da
força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que investiga a
concessão de Cebas.
Por meio de sua assessoria, a força-tarefa do MPF diz que não recebeu
oficialmente informações sobre o parecer contra o hospital e que está
esquecido no MPS. Informações sobre o processos já foram requisitadas à
assessoria do ministro, e as ações sobre o tema serão intensificadas
até o final deste ano. Também há no MPF um procedimento administrativo
para investigar justamente a renovação do Cebas pela gestão de Amir
Lando.
Além de suspender os efeitos da decisão do ex-ministro Amir Lando, a
desembargadora também determina que os autos da ação popular continuem
sendo julgados na Justiça Federal em Brasília. É que a juíza da 16ª
Vara Federal, onde o processo deu entrada queria remeter a ação popular
para Niterói (RJ), onde ação semelhante já havia sido negada.
Mesmo com essa decisão, o hospital paulista ainda continua se
beneficiando do Cebas em julgamentos feitos após as determinações da
desembargadora Maria Isabel Gallotti.
No último dia 29, por exemplo, o hospital venceu uma batalha jurídica
contra a Fazenda Nacional. A ação tratava da liberação de imposto de
importação e outros tributos de equipamentos para a entidade.
A desembargadora Alda Basto, do TRF da 3ª Região, considerou que a
entidade não deveria recolher impostos justamente por ainda ter um
Cebas. Em outra decisão, ainda de novembro de 2005, do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), o hospital conseguiu isenção de ICMS na
importação de medicamentos.
Ainda filantrópico
Em comunicado enviado ao site, o hospital Albert Einstein diz que
"continua sendo portador do certificado de filantropia, e as medidas
como a mencionada são utilizadas pela instituição a fim de assegurar
esse direito já concedido por lei." Além disso, o hospital enumera uma
série de ações sociais como os 214 transplantes no Hospital Israelita
Albert Einstein pelo SUS em 2006.
"Para dar um quê de benemerente e pleitear o gozo de benefícios
fiscais, o Hospital Albert Einstein promove serviços assistenciais em
Paraisópolis. Despesas que somadas estão longe de justificar o que
Previdência Social deixa de arrecadar anualmente (fora outras
contribuições e impostos), o que estimamos em R$ 100.000.000,00 (cem
milhões de reais)", contesta ação popular sobre outra ação social do
hospital.
Isaac Bentes, autor do parecer em favor do Einstein, disse que não
poderia se pronunciar sobre o caso, principalmente porque não conhecia
as alegações da ação popular. "Confio plenamente nas alegações do
consultor jurídico, apesar de não ter conhecimento da ação", disse ao
Congresso em Foco o ex-ministro da Previdência Amir Lando.
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