sábado, 2 de maio de 2009

Proibido discutir mudanças na lei???

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O Brasil tem o Poder Legislativo em funcionamento em todas as esferas (municipal, estadual, federal). São milhares de parlamentares fazendo e analisando – ao menos em tese – propostas de mudanças legislativas (de leis ordinárias, complementares, orgânicas, Constituição nacional e estadual, etc). O Poder Executivo também legisla, enviando seus próprios projetos de lei para análise dos parlamentares (no caso do governo federal, isso inclui MPs). Outros órgãos legislam – não faz muito tempo, a Câmara Municipal de São Paulo apreciou um PL de autoria do Tribunal de Contas. A sociedade em geral pode apresentar suas propostas nas Comissões de Legislação Participativa ou colher milhões de assinaturas no modo "iniciativa popular". Ah, sim, e ocasionalmente o Poder Judiciário legisla também, já que "o Congresso não se posiciona" (não foi assim que justificaram mudanças decididas pelo Supremo?)
Independentemente de apresentar propostas formalmente, discutem-se mudanças o tempo todo. Em debates e matérias de TV, nos jornais, sindicatos, igrejas, universidades... Colhem-se assinaturas, publicam-se artigos e manifestos, organizam-se passeatas. Alguns dos temas debatidos: pena de morte, prisão perpétua, maioridade penal, obrigatoriedade do voto, regras para reeleição, financiamento de campanhas eleitorais, leis ambientais, tributárias, direitos e deveres dos indígenas, aborto, jogo, comércio de armas e munições.
Mas há uma cláusula tão pétrea que não se pode sequer discutir abertamente, muito menos pedir e defender a mudança na legislação: a criminalização do comércio de maconha.
Já superamos alguns tabus, mas esse persiste. O divórcio, por exemplo, era um tema proibido, mas lá se vão mais de 30 anos desde que a lei foi modificada. Mas sair às ruas para dizer que comprar e vender maconha podia deixar de ser crime e ser uma atividade permitida e regulamentada, ah, isso não.
Amanhã haveria em São Paulo a Marcha da Maconha, mas a Justiça proibiu pela segunda vez. . "O promotor Marcelo Luiz Barone, coordenador do Grupo de Repressão e Prevenção aos Crimes da Lei Antitóxico (Gaerpa), argumentou em seu pedido de liminar que o evento faz "apologia ao crime" e é organizado por "entidade clandestina". O promotor foi o mesmo que pediu a proibição do evento no ano passado."Se alguém fizer (manifestação), vai ser preso por apologia ao tráfico de drogas", disse Barone ao G1".
Ou seja, é crime e não se pode nem pedir que deixe de ser. "Apologia ao tráfico"? Muito pelo contrário, o que se pede é que maconha seja vendida produzida e vendida legalmente, assim como outras substâncias psicoativas (cerveja, uísque, pinga, rum, conhaque, saquê, garapa, vinho, café, red bull, chá preto, etc.), que podem causar dependência (cigarro, charuto, álcool, açúcar, cafeína) ou fazer mal à saúde (torresminho, margarina, gordura vegetal, frutas com agrotóxicos).
O que se questiona é se o uso voluntário de uma substância por um adulto deve ser proibido por lei, com pena de prisão. Se é problema da polícia evitar que você use um entorpecente, estimulante, relaxante – onde quer que você esteja, o que quer que você faça.
Claro que não se pode "fumar um" aos 13 anos, antes de pilotar um avião ou realizar uma cirurgia. Tanto quanto não se pode tomar um trago. Mas hoje você é proibido de fumar na praia tocando violão, em casa ouvindo música, na praça vendo o por-do-sol.
A polícia e a Justiça têm MESMO que se meter nisso??
Criminalizar a produção, venda e compra de maconha não está dando certo para proteger a sociedade dos riscos à saúde e muito menos da violência. Eu defendo a discriminalização da maconha por vários motivos:
1)Ao contrário do que foi difundido em campanhas sensacionalistas, o uso da maconha não transforma uma pessoa em assassina ou em um vegetal, incapaz, inútil. Não leva ao uso de cocaína ou outras drogas tanto quanto cigarro não leva ao uso de maconha. Cheira cocaína quem quer cocaína; são drogas completamente diferentes. Maconha pode fazer mal à saúde? Pode – é fumaça pra dentro do pulmão, o que nunca faz bem. E tem lá seus danos, a longo prazo e com uso intensivo. Pode causar dependência? Pode, mas é muito raro. O uso compulsivo faz mal? Claro, como qualquer compulsão. O uso indevido também? Sem dúvida. Mas correr da polícia e aproximar-se dos bandidos faz muito, muito mais mal.
2)O combate armado ao uso de maconha tem se revelado um fracasso em todos os lugares do mundo. A produção continua, o comércio também – cada vez maior, aliás. Os comerciantes se armam para defender seu negócio (enfrentar a concorrência, a polícia, cobrar suas dívidas, conquistar novos mercados....) A polícia também precisa se armar mais para enfrentá-los. Ficamos todos na linha de tiro, fumando ou não. TROCA DE TIROS FAZ MAIS MAL QUE FUMAÇA DE BASEADO, pelo amor de deus!
3)É inútil, ilusório, pedir às pessoas "parem de fumar, vocês dão dinheiro para o tráfico!". Eu, que quando fumava nunca tive coragem de comprar (filava dos amigos, como vários fumantes pidões), parei por causa disso (comprando ou não, tinha uma conexão indireta com redes criminosas) e porque fazia mal à minha meditação. Mas quem fuma com toda a convicção de que a polícia não tem nada a ver com isso, com a certeza de que não está querendo fazer mal algum à sociedade, com a raiva da injustiça da legislação (porque todo mundo pode se entorpecer de várias maneiras, inclusive com apoio ou aplauso social) não quer parar de fumar; quer poder comprar seu fumo no bar, na tabacaria, no mercado. Não quer dar dinheiro para bandidos, mas não se conforma em abrir mão do seu prazer e não tem a opção de "dar dinheiro" para um comerciante legal. Veja bem, EU PAREI DE FUMAR, mas sei que é absurdo esperar isso de todo mundo.
4)Entendam o raciocínio, por favor. Existem vários comportamentos que persistem apesar de serem proibidos por lei, nem por isso pedimos para revogar todas as leis. Exemplo: pessoas cometem homicídio e isso é crime. Já que "não adianta proibir", vamos revogar as leis que o condenam? NÃO. Porque homicídio é SEM DÚVIDA algo que não pode ser permitido; o direito de tirar a vida de outro não deve existir. E o fato de homicídio ser crime não torna as coisas piores; não há mais mortes em consequencia de assassinato ser crime.
Já no caso da maconha, o seu uso não precisa ser proibido por lei – é completamente diferente de roubar, matar, agredir, fazer mal ao outro. E a proibição torna, sim, as coisas muito piores. Como eu já disse, os comerciantes se armam, a polícia também, o uso passa a ser escondido da própria família (de modo que um eventual problema de saúde terá acompanhamento mais difícil), o usuário não tem escolha a não ser fazer contato com pessoas fora-da-lei.
Como seria a descriminalização? 1) A produção de maconha passaria a ser uma lavoura como as outras, com as regras que se aplicam ao agronegócio (sem mão-de-obra escrava, por favor...). 2) O comércio seria permitido com restrições: proibido vender para menores (como cigarro ou álcool). Proibido vender próximo a escolas. Proibido vender acima de determinada quantidade, talvez. 3) O uso seria permitido com restrições, tanto quando o cigarro comum – proibido fumar em lugares fechados, exceto recintos especialmente reservados para isso, os "fumódromos". Poderia haver áreas em que o uso fosse permitido (uma parte da praia, por exemplo) e outras em que fosse proibido (como o "Baixo Bebê" no Leblon).
Enfim, essa é a minha idéia, a minha opinião. Compartilhada com muita gente, que gostaria de sair à rua e dizer: "Não somos a favor da arruaça, do crime, do vale-tudo, do "ninguém tem nada a ver com a vida do outro". Somos a favor de uma mudança na legislação porque entendemos qu e seria melhor para a sociedade como um todo". Mas não podemos – é crime pedir que algo deixe de ser crime (ao menos nesse caso).
Quem tem opinião diferente tem todo o direito a ter, claro! Quem acha que os riscos de usar maconha justificam a perseguição armada... Quem acha que o certo era proibir tudo quanto é entorpecente em vez de legalizar mais um... Quem acha que a idéia é boa mas impraticável (visto que boa parte do mundo insiste no combate armado). Mas precisa, em uma sociedade democrática, permitir que eu tenha a minha opinião e a expresse em público.
Eu admito que existem até "opiniões" que devem ser proibidas – manifestações racistas, homofóbicas, nazistas. Porque elas pregam o mal a outras pessoas; porque incitam à violência. Mas a minha opinião é de outra natureza, é uma análise de uma situação e uma proposta de mudança.
Quanto tempo falta para que possamos simplesmente discutir o tema sem a ameaça de cadeia??

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