Por: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Data de Publicação: 15 de junho de 2007
Não há sequer parâmetros para se fazer uma comparação entre a Justiça
brasileira e a norte-americana. Segundo o juiz Jesseir Coelho de Alcântara,
da 13ª Vara Criminal de Goiânia, esta foi a conclusão a que chegaram ele e
os demais 29 magistrados brasileiros que participaram, entre os dias 28 de
maio e 9 de junho, de intercâmbio na Universidade de Virgínia, nos Estados
Unidos (EUA), promovido pela Escola Nacional de Magistratura e a Associação
dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Na oportunidade, os participantes trocaram experiências com os colegas
norte-americanos e visitaram diversos órgãos que compõem a estrutura do
sistema judiciário local, como a Suprema Côrte, entre outras, centros
prisionais, além das denominadas Escolas de Leis. Entre os maiores "choques"
sofridos pelos juízes norte-americanos durante o contato com os brasileiros
está o grande número de leis existentes no País. "Eles ficaram tremendamente
abismados - negativamente - quando dissemos que possuímos mais de 20 mil
leis e que nossa Constituição Federal tem 344 artigos e sofreu 52 emendas em
apenas 18 anos enquanto a deles, que vigora desde 1788, possui apenas 7
artigos com 27 emendas", comentou Jesseir, que chegou da viagem na
segunda-feira (11).
Diferenças culturais
Para ele, a impossibilidade de comparação entre os dois sistemas judiciários
reside, em grande parte, na diferença enorme acerca da concepção de Justiça
o que, a seu ver, é uma questão cultural. "Lá só se recorre à Justiça em
último caso. Tudo é quase sempre solucionado pela via administrativa. Não há
Justiça do Trabalho, por exemplo. A cultura individualista norte-americana
presume que empregado e patrão se entendem, têm noção de seus direitos e
deveres, se contratam porque querem e assumem os riscos disso. Eventuais
conflitos são resolvidos administrativamente. Simplesmente não há
reclamatória trabalhista lá", explicou.
Outro exemplo citado pelo magistrado demonstra a famosa praticidade
norte-americana. Segundo relata o juiz, quase todos os procedimentos nas
côrtes são feitos oralmente. Jesseir Coelho assistiu a uma audiência na
cidade de Roanoke (Estado da Virgínia) na qual um rapaz, que tinha de pagar
uma fiança de U$ 1 mil por ter sido preso embriagado, havia requerido a
diminuição do valor para U$ 100, ao argumento de que vinha gastando muito
num tratamento para doença renal.
"A audiência foi rápida: basicamente promotor e advogado falando e, ao
final, o juiz informou que proferiria a sentença alguns dias depois. Tudo na
oralidade e nada de lavratura de termo, assinaturas e todos aqueles
procedimentos que adotamos aqui. A secretária do juiz restringiu-se a fazer
um resumo pequeno da audiência, e foi tudo", lembrou, ressalvando, contudo,
que os bancos de dados das côrtes são ágeis e acessíveis. "Tudo fica
registrado, evidentemente".
Com relação a isso, o magistrado comenta que, como era de se esperar, a
estrutura do Poder Judiciário nos EUA é, de fato, "coisa de Primeiro Mundo".
Maquinário, mobília, sistemas de comunicação, tudo é de última geração e
equipa os prédios fartamente, não somente facilitando o trabalho dos
profissionais que atuam no setor como compondo um ambiente de conforto e
acessibilidade aos usuários.
Contudo, de acordo com Jesseir, ao contrário do que se pensa, não é essa
estrutura que garante a celeridade do andamento processual nos EUA.
"Primeiramente, não há tanta rapidez quanto se pensa. Em segundo lugar, o
volume de processos - justamente pelo hábito de não se recorrer à Justiça
com tanta freqüência - é muito menor do que no Brasil", observa o juiz.
Decisões baseadas em costumes
Diferentemente dos juízes brasileiros, que realizam a instrução processual e
julgam sempre obedecendo a uma infinidade de leis escritas, os
norte-americanos seguem o chamado Common Law, ou seja, o Direito Comum, que
permite o julgamento das ações com base nos costumes e na jurisprudência.
Assim, se o juiz se deparar com um litígio sobre indenização por danos
morais, por exemplo, vai recorrer a julgados sobre a matéria, em situações
semelhantes ou próximas, para decidir e, inclusive, aplicar a pena pois, ao
contrário do Brasil, não há regulamentação da pena prevista para cada tipo
de crime.
"Isso cria uma liberdade sem precedentes para o juiz, porque, na verdade,
ele julga quase desamparado de legislação. Baseia-se na jurisprudência e no
bom senso enquanto nós, mesmo depois de condenar, temos de aplicar uma pena
já prevista em lei. De nossa parte, ficamos chocados com isso", admite
Jesseir. Segundo explica, nos EUA os juízes não são graduados em Direito. A
maior parte dos juízes são economistas e administradores que, após formados,
fazem a Escola de Leis, uma espécie de especialização em Direito que
permite, aos que a concluem, advogar, atuar como juiz ou promotor de
Justiça.
Cargos Políticos
Outra diferença que chamou a atenção dos magistrados brasileiros é o fato de
que os juízes nos EUA não são concursados, mas nomeados (pelo Governador ou
Presidente) ou eleitos pelo povo. "Nós, brasileiros, não pudemos deixar de
ter uma impressão talvez um tanto negativa desse fato porque, afinal,
percebemos que juiz lá ocupa um cargo político e é meio difícil compreender
como tal profissional possa ser tido como imparcial o suficiente para
julgar", pontuou o juiz.
Ele relatou também que teve acesso a algumas sentenças e percebeu que,
geralmente, elas contêm apenas um breve resumo do fato e a decisão, que vem
desacompanhada de fundamentação. "Isso também nos deu uma má-impressão, nós
que estamos acostumados a fazer um longo relatório e nos amparar fartamente
em doutrina, jurisprudência e legislação para finalmente proferirmos nossa
decisão", disse.
Massacre
Convidado pela Universidade da Virgínia a apresentar um estudo sobre como a
Justiça brasileira atuaria num caso semelhante ao da chacina que ocorreu na
instituição - onde um estudante sul-coreano matou 32 pessoas e depois
cometeu suicídio - Jesseir disse que os norte-americanos ficaram, por sua
vez, impressionados com a burocracia brasileira.
No estudo, o juiz explicou que, em caso semelhante, a polícia civil
realizaria uma investigação e, após constatar a identidade do autor dos
crimes e o suicídio, encaminharia um relatório final à Justiça, que o
submeteria ao Ministério Público (MP) para que se manifestasse. Segundo
Jesseir, como o MP muito provavelmente pleitearia o arquivamento dos autos,
eles seriam distribuídos finalmente a um juiz, que acataria ou não o pedido
da promotoria. "Quando expus o estudo, acharam muito complicado. Tiveram uma
reação do tipo:?para quê tudo isso??. Não entenderam mesmo e consideraram
perda de tempo tamanho trabalho envolvendo polícia, promotor e aparelho
judiciário", concluiu o juiz. (Patrícia Papini)
http://www.direito2.com.br/tjgo/2007/jun/15/juiz-diz-ser-impossivel-comparar-justica-brasileira-com
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