sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Fw: O exemplo pacífico da Bolívia

URL: http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=23795

João Pedro*

A Bolívia é um país rico e pobre. Rico por suas riquezas naturais, como
gás, petróleo e prata. Rico por sua territorialidade, por fazer parte
da Pan-Amazônia e por ter a geografia única da Cordilheira dos Andes.

Mesmo assim, um país pobre. Pobre pela concentração de renda restrita a
uma pequena par-cela de bolivianos. Pobre por um processo histórico de
exploração econômica que assolou suas populações tradicionais durante
séculos.

Tive a oportunidade de conhecer a Bolívia ao participar como observador
internacional do refe-rendo revogatório que movimentou o país no dia 10
de agosto. Pela primeira vez na história boliviana, os eleitores
decidiriam se o presidente e oito governadores, atualmente na metade do
mandato, permaneceriam em seus cargos. Às vésperas da viagem, as
notícias veiculadas pela imprensa brasileira falavam sobre tumulto e
revolta no país. Ao chegar lá, porém, eu – e os quase mil observadores
internacionais que cumpriam a mesma tarefa que a minha – tive-mos a
surpresa de um referendo tranqüilo.

Não que essas eleições fossem fáceis, pelo contrário. Prefeitos que
fazem oposição ao projeto político de Evo Morales são radicais ao
defender a "autonomia" de suas gestões. As distâncias territoriais,
somadas aos obstáculos naturais, também representam um desafio a
qualquer pro-cesso eleitoral.

Abro um parêntesis para lembrar que a Bolívia é o país que tem a maior
faixa de fronteira com o Brasil. Pela água, o território boliviano se
une a nós pelo rio Madeira. Por terra, somos liga-dos pelos seringais e
castanheiras do Acre, Amazonas e Rondônia. Lá há 10 milhões de
habi-tantes, quatro milhões de eleitores e culturas múltiplas,
presentes no colorido de mais de 30 etnias.

Voltando ao referendo, a Corte Nacional Eleitoral convocou, no dia
anterior ao pleito, observa-dores internacionais e imprensa para expor
as regras da votação. "Democrático", "exemplar" e "legítimo" foram
alguns dos adjetivos colocados num debate posterior a essa explanação
da Corte, por parlamentares e jornalistas do México, El Salvador,
Brasil, Argentina, Venezuela, Peru e Uruguai.

No dia seguinte, às sete da manhã, fui para El Alto, bairro periférico
na parte mais alta de La Paz, bem na encosta dos Andes, onde a maioria
da população é indígena. Observei o cami-nhar desses povos milenares
que, com suas roupas coloridas, seguiam tranqüilamente para as sessões
de votação. Nada de boca de urna. Nenhum panfleto pedindo votos. Sem
gritos, car-ros de som ou apelos para votar dessa ou daquela forma.
Reflexos de uma lei eleitoral dura e respeitada, na qual nem mesmo
carros de passeio podem circular no dia do pleito. Para dirigir
qualquer veículo é preciso uma autorização formal da Corte Nacional
Eleitoral, sem ela, o carro é apreendido imediatamente e liberado
apenas no dia seguinte, após o pagamento de multa.

Acompanhamos todo o pleito e, com as projeções dando como certa a
vitória de Evo Morales, a comitiva brasileira solicitou ao embaixador
do Brasil em La Paz uma audiência com o presi-dente boliviano. Era o
dia 11 de agosto e estávamos lá, frente a frente com o líder indígena
que se tornou presidente da Bolívia. Dele, ouvimos que seria um desafio
unir o próprio país e que era preciso trabalhar arduamente para evitar
maiores conflitos. Para falar do presidente Lula e do ministro Marco
Aurélio Garcia, Morales usou os termos "companheiros" e "irmãos".

De minha parte, acredito que é exatamente assim, como nação irmã, que o
Brasil deve se rela-cionar com a Bolívia. Esse olhar fraterno deve se
estender a todos os países que nos fazem fronteira. Todo intercâmbio é
bem vindo para que os países latino-americanos – nós, brasilei-ros,
incluídos na lista – solidifiquem sua economia e melhorem sua condição
social. Foi com esse espírito que participei do referendo boliviano.

*João Pedro Gonçalves da Costa, 55 anos, é senador da República pelo PT
do Amazonas. Foi observador internacional do referendo do último dia 10
na Bolívia.


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