domingo, 21 de dezembro de 2008

Réu no Irã é condenado à cegueira

Segunda Leitura
Réu no Irã é condenado à cegueira

por Vladimir Passos de Freitas

Segundo noticiou a imprensa (Estado de S. Paulo, 16 de dezembro de
2008, A12), no Irã, em 2002, Ameneh Bahrami, então com 24 anos, junto
com algumas amigas, coletou agasalhos para o jovem e pobre estudante
universitário, Majid Movahedi. Completamente apaixonado por Ameneh,
tentou Majid dela aproximar-se e, inclusive, pediu-a em casamento. A
proposta não foi aceita.

Majid não desistiu. Passou a seguir Ameneh e até ameaçou suicidar-se,
caso ela não o aceitasse como marido. Em outubro de 2004, quando ela
atravessava um parque a caminho de casa, o pretendente bateu de leve no
seu ombro e, quando ela se virou, lançou-lhe ácido sulfúrico na face.
Um terceiro, querendo ajudá-la, jogou água no seu rosto e o ácido
espalhou-se. Ameneh ficou cega e desfigurada em razão das queimaduras.
Majid apresentou-se à Polícia duas semanas depois e foi mantido preso
até o julgamento.

Todavia, na execução da sentença foi dado à vítima, por permissivo da
lei islâmica, o direito de obter o castigo do agressor. E Ameneh
sentenciou: "Estou na idade em que poderia me casar, portanto, peço que
os olhos de certa pessoa sejam borrifados com ácido. O Tribunal acatou
o pedido e determinou que 5 gotas da mesma substância química fossem
colocadas em cada um dos olhos de Majid. O caso suscitou polêmica no
Irã. Pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos se opuseram ao
castigo.

Para nós brasileiros a solução judicial causa perplexidade. Há entre
nós um movimento sério, chamado Justiça Restaurativa, que procura
aproximar a vítima e o seu agressor. Tudo com a finalidade de apaziguar
o conflito, levar a vítima ao perdão e o infrator ao arrependimento. No
entanto, a tentativa brasileira está muito distante da solução judicial
iraniana. Esta é diferente. Aplica a Lei do Talião, "dente por dente,
olho por olho".

Em tempos de violência como o que vivemos, há muitos adeptos da pena
imposta no Irã. Não seria demais supor que, se fosse feita uma enquête,
os favoráveis à condenação de Majid à cegueira superariam os que
votassem contra.

No entanto, esta solução não se afina com a evolução do nosso Direito.
Há muito abandonamos a pena como vingança e à vítima não cabe decidir
sobre qual sanção deve ser imposta. O Irã tem cultura diversa, que deve
ser respeitada como tal, mas que não se afina com a nossa ordem
jurídica.

Então, o que ocorreria com Majid se vivesse no Brasil e aqui praticasse
o mesmo delito contra Ameneh?

Majid responderia o inquérito policial e a ação penal em liberdade, já
que era um jovem estudante universitário, residia com os seus pais e
não tinha antecedentes criminais. Se denunciado por infração ao artigo
129, parágrafo 2º, incs. III e IV do Código Penal, se sujeitaria a uma
pena de 2 a 8 anos de reclusão. Sem ter direito à suspensão do
processo, certamente acabaria sendo condenado. A prova (ao contrário de
um crime contra a ordem econômica) seria fácil, resumindo-se a um laudo
pericial e dois ou três depoimentos. E a pena, face à existência da
agravante do artigo 61, inc. I, alíneas "a" e "d", provavelmente seria
aplicada acima do mínimo legal. Em condições normais, algo em torno de
2 anos e 6 meses de reclusão.

Apelaria em liberdade, por certo. Dependendo do Tribunal de Justiça,
seu recurso poderia levar de 6 meses a 2 ou mais anos para ser julgado.
Se confirmada a sentença, com um bom advogado poderia interpor recurso
especial ao STJ e extraordinário ao STF. E com isto ganhar pelo menos
mais 3 ou 4 anos. Se vencido em todas as instâncias, sobreviria a
execução da pena.

Evidentemente, Majid teria direito a cumprir a pena em regime aberto
(CP, artigo 33, parágrafo 2º, "c") e ela seria substituída por
restritiva de direitos (CP, artigo 44, I). E, no caso, ela
provavelmente seria a prestação de serviços gratuitos em um hospital,
na base de uma hora por dia (CP, artigo 46, parágrafos 2º e 3º). Antes
de terminar o cumprimento da sanção imposta, ele poderia ser
beneficiado com indulto ou outros benefícios de redução da pena (v.g.
CP, artigo46, parágrafo 4º).

Ameneh, junto com sua família, a tudo assistiria inconformada. Acharia
que Majid nada sofreu. E mesmo que informada sobre a substituição da
pena de prisão, não aceitaria a pena restritiva de direitos
substitutiva. Diria que ficou cega, teve sua vida praticamente acabada,
esperou cerca de 6 anos para ver seu agressor punido e, ao final, ele
se limitou a passar algumas horas por semana em um hospital ou algo
semelhante.

Substituamos as posições. Se quem lê for uma jovem universitária,
coloque-se na posição de Ameneh, a vítima. Se for um acadêmico de
Direito, imagine-se como sendo seu irmão ou namorado. Se for mais velho
ou mais velha, ponha-se no lugar de seu pai ou sua mãe.

Qual seria a reação à hipotética solução judicial brasileira, que,
cumprindo de forma incensurável a legislação penal, condenou Majid e
lhe deu todos os direito assegurados na lei? Será que não há um meio
termo, entre o 8 (a condenação brasileira praticamente simbólica) e o
80 (a condenação à cegueira do Irã)?

A pergunta que se faz não tem resposta pronta. Seu objetivo é o de
instigar a discussão. Mas vamos combinar, não vale raciocinar como em
um caso teórico, uma monografia de conclusão do curso ou uma
dissertação de mestrado. Tem que se pensar como se fosse a vítima ou um
parente próximo. A que conclusão chegaria o leitor?

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