quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Vendendo o liberalismo

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O liberalismo enriqueceu os pobres de maneira que a população mundial (a maioria pobre), até então estagnada por milênios, multiplicou seu número por sete em dois séculos.

Enquanto isso, as ideias coletivistas e centralizadoras da economia mataram 150 milhões de pessoas em menos de 80 anos, mas ainda tentam ser revistas como um possível "conserto" aos "erros" liberais. Por que esse paradoxo ainda se dá no séc. XXI?

Os liberais estão certos, e apenas corrigem entre si conceitos de suas teorias que, comparadas ao todo, são pequenas filigranas, embora façam diferença monstruosa quando levados a cabo (como o lastro da moeda).

Além do mais, sua aplicação possibilitou um avanço e melhoria das condições de vida de todos como nunca antes se viu na história. No começo do séc. XX, apenas 15% das famílias americanas tinham um sanitário dentro da própria casa, e hoje há mais famílias conectadas à internet do que estiveram conectadas à água corrente há menos de 100 anos.

Tal avanço não se deu graças a nenhuma "política pública" de "distribuição", e sim a tecnologia e bens criados de maneira livre: cada novo produto no mercado precisa convencer alguém a utilizá-lo, e, para tal, precisa oferecer uma melhoria na vida das pessoas de maneira cada vez mais barata. Nenhuma política centralizada e compulsória vinda do Estado nunca precisou oferecer tais benesses. Apenas se faz e se enfia goela abaixo da população, cobrando o quanto se queira por tal.

Como é possível, então, que ainda se pense que o liberalismo (e seu apelido feio, "capitalismo", conceitos que se misturam permeavelmente no imaginário coletivo) precisa ser "corrigido" por um plano estatal?

A filosofia "correta"

Analisando as disputas de pensamento dos últimos séculos, vemos que, no campo das ciências políticas e da economia, nunca os dois maiores lados em disputa (acachapando muitas correntes num lado só e ignorando para fins didáticos o Diagrama de Nolan) ganharam terreno na mesma área.

Os defensores do mercado sempre dominaram a Economia, o Direito, as Ciências Políticas. Os coletivistas e estatistas disparam no imaginário coletivo: são dominantes na Sociologia, na Psicologia, na Linguagem.

O mercado cuida de problemas práticos, que só suas leis irrevogáveis conseguem solucionar. O estatismo domina a simbólica, define a linguagem de crítica, as crenças coletivas da sociedade[1]. Para tal, o socialismo e outras utopias precisam se manter virginalmente no mundo das ideias, sem prestar contas à realidade, supondo um "socialismo real" que ainda não teria existido – sem perceber que o socialismo real foi o único a existir e poder existir, não podendo ser consubstanciado justamente o socialismo ideal.

Enquanto em um curso de Economia se estuda Marx como uma curiosidade histórica de ideias ultrapassadas que não deram certo em um semestre, sua obra é estudada esmeradamente em cursos que vão de Letras a Psicologia (o mesmo sendo válido para Freud nesse último, enquanto sua obra vira pedra de toque de valor científico em cursos como Direito ou Pedagogia, com pouca correlação com a prática clínica, onde suas teses se mostram furadas).

O estatismo forma retores e oradores. O liberalismo, em pouco mais de três séculos de formulação teórica posterior (pois apenas teoriza sobre a própria realidade), nunca formou símbolos mais atualizados do que os motes da Revolução Francesa (liberté, egalité, fraternité) – e todos estes lemas foram tomados pela esquerda para nunca mais serem devolvidos.

Enquanto a análise do mercado produz resultado e mais bens de consumo nas mãos da população, mesmo a população mais pobre, a análise estatista faz com que as pessoas gritem contra a "desigualdade", usando termos errôneos como "burguesia" ou "classes sociais", mesmo que tenham trocado suas máquinas de escrever por iPads, sem atinar com a causa e consequência da mudança tecnológica.

A filosofia estatista é a filosofia agradável, para as massas e para os jovens, rápida de entender em alguns poucos cacoetes e lemas de ação. Para se manterem na dianteira das Humanidades em todas as Universidades mundo afora, tudo o que precisam é ignorar solenemente os argumentos e o funcionamento prático do mercado, que garante desde o giz na lousa até o telefone celular de cada professor e aluno.

Para se saber se é o liberalismo ou se são as visões "sociais" com as melhores intenções (sem nunca apresentar um resultado concreto) que têm o melhor arcabouço teórico para dar melhores condições de vida e justiça à população (sobretudo à parcela mais pobre), basta perceber que todos os liberais estudaram os dois lados, e optaram pelo liberalismo. Em compensação, quantos socialistas e sociais-democratas criticaram uma vírgula de Liberalismo segundo a Tradição Clássica, de Ludwig Von Mises? Quantas tréplicas Anarquia, Estado e Utopia, de Robert Nozick, teve, depois de criticar em detalhes a obra de John Rawls (já em si um liberal de esquerda, como é possível na tradição americana)? Quantas vezes se leu que a explicação de Murray Rothbard para as crises capitalistas de America’s Great Depression não eram bem assim? A resposta é sempre a mesma: nenhuma.

Ao se conhecer o liberalismo, passa-se imediatamente a defendê-lo. Para criticá-lo, é obrigatório não tê-lo estudado.

Mas os liberais ainda apenas discutem entre si. Falam apenas de economia, em cadernos de economia de economia só lidos por eles próprios, em um economês só entendidos pelos já iniciados na confraria liberal.

É preciso lembrar do ensinamento de Sun Tzu: não conhecendo o adversário, é impossível vencê-lo (ou convencê-lo). Está na hora dos liberais aprenderem o mesmo método de cooptação da esquerda – uma linguagem que saia da economia, uma linguagem agradável e de convencimento (e não de explicação para os já preparados para entender o que é uma crise de subprime ou uma quebra por reservas fracionárias).

Estando corretos, chega a ser desanimador perceber que os liberais não são capazes de mostrar sua verdade para o público, mesmo com um arcabouço surpreendente, capaz até de prever crises completamente sozinhos.

Enquanto a filosofia surgiu com os diálogos de um homem interpelando figuras da cidade no meio da rua enquanto atravessavam uma praça ("bom dia, senhor Górgias, vamos criar o primeiro tratado sobre epistemologia e sistematização da alma perante as forças divinas do mundo?") e com os rascunhos de aula de outro, os liberais contemporâneos, que escrevem tão bem e claramente, não conseguem convencer direito sequer os pares mais vizinhos e afeitos às ciências econômicas.

É preciso tirar o liberalismo da economia e salvar as ideias liberais de sua chatice e seu hermetismo.

P. J. O'Rourke disse que não se pode conseguir boa comida chinesa delivery na China, e os charutos cubanos são racionados em Cuba. Isso é tudo o que você precisa saber sobre comunismo.

Essa frase sozinha fez mais pelo liberalismo do que mil textos de liberais, feito para liberais, lidos por já liberais. Inclusive fez mais do que este próprio texto. É o exercício que é possível deixar de lição de casa para os liberais: pensem em tudo o que podem dizer, e resumam no fim do dia a uma frase com um bom efeito.

É preciso ser rápido para se vender uma ideia (e as 800 páginas de Ação Humana não serão lidas pela esquerda tão cedo). Não sigam o meu exemplo. :)



[1] Para mais detalhes, vide o ensaio O culto do Che: solução do enigma, de Olavo de Carvalho, in: O Imbecil Coletvio II: A Longa Marcha da Vaca para o Brejo e, logo atrás dela, Os Filhos da PUC, São Paulo: É Realizações, 2008, p. 45.

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