quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Evangélicos se opõem a acordo Brasil-Vaticano

Evangélicos se opõem a acordo Brasil-Vaticano

Bancada evangélica acusa governo brasileiro de privilegiar igreja e
ensino do catolicismo em proposta pronta para votação. CNBB diz que
críticas são descabidas e pede análise isenta de deputados

Rodolfo Torres

O reconhecimento de um acordo do Brasil com o Vaticano está embalando
calorosa discussão entre parlamentares evangélicos e a base governista
na Câmara. O documento institui o Estatuto Jurídico da Igreja Católica
no Brasil e está pronto para ser analisado em plenário em caráter de
urgência. A proposta sofre forte resistência de deputados evangélicos,
que veem nela a concessão de privilégios do governo brasileiro à Santa
Sé e articulam mudanças na matéria.

Um dos pontos questionados é o primeiro parágrafo do Artigo 11, que
institui o ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino
fundamental. "O ensino religioso, católico e de outras confissões
religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade
com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de
discriminação", afirma o artigo.

Outro ponto polêmico, na avaliação dos evangélicos, é o primeiro
parágrafo do Artigo 18, que abre caminho para que complementos no
documento possam ser feitos "entre as altas partes contratantes".
"Órgãos do governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas
competências e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, devidamente
autorizada pela Santa Sé, poderão celebrar convênio sobre matérias
específicas, para implementação do presente acordo."

Para o deputado João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar
Evangélica, o décimo primeiro artigo é uma forma de privilegiar a
Igreja Católica na disseminação de conteúdo religioso a estudantes. O
outro artigo, complementa Campos, representa a exclusão do Congresso de
qualquer posicionamento sobre alterações futuras nas relações entre
Brasil e Vaticano.

O emprego da expressão "católico e de outras confissões religiosas"
também é criticado pelo Ministério da Educação, que ressalta que a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, veda a promoção de
uma religião e não menciona nenhuma fé específica. Na avaliação da
Coordenadoria de Ensino Fundamental do MEC, o termo pode abrir espaço
para discriminação na rede pública de ensino.

"O acordo fere dois princípios constitucionais: o da laicidade
[separação entre Estado e Igreja] e o da isonomia", afirma o tucano, ao
informar que a bancada evangélica apresentará emendas ao projeto. "O
acordo dá uma idéia de aliança [entre os Estados]", avalia João Campos.
O deputado ressalta que qualquer matéria sobre acordos internacionais
deve passar pelo crivo do Parlamento. "Se a Casa aprovar, estará
renunciado às suas prerrogativas", argumenta.

Tempestade em copo d'água

Do outro lado, está o grupo de parlamentares que considera o acordo
apenas uma mera formalização de procedimentos entre a Santa Sé e o
Estado brasileiro. "É uma tempestade num copo d'água. Católico
significa universal. A Igreja mantém relações com 180 países e o acordo
é o instrumento utilizado", afirma o deputado Miguel Martini (PHS-MG),
católico e membro da renovação carismática.

Martini classifica como "minoria" o grupo de deputados evangélicos
contrários à medida. Para o congressista mineiro, o acordo será
aprovado facilmente pelo plenário da Câmara, assim que base aliada
encerrar a "greve branca" de votações por conta do corte do governo nas
emendas parlamentares. "Claro que passa... É uma homologação, e já foi
analisada pela advocacia do governo e pelo Itamaraty", afirma.

O deputado do PHS diz que o acordo entre os Estados "não exclui
ninguém" e aconselha os evangélicos a firmarem acordo semelhante com a
União. "A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de
liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de
desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de
suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro", afirma o
Artigo 2º do acordo.

Mais críticas

Texto escrito no último dia 17 de agosto - intitulado "Lula e Bento XVI
- Compreenda o acordo", e publicado no blog da Frente Parlamentar
Evangélica - afirma que a intenção do documento é fazer com que a
Igreja Católica volte a ser a religião oficial do Brasil. "Por mais que
o Vaticano e a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] neguem."

"Há a questão do ensino religioso nas escolas públicas – onde está
clara a interferência no futuro de nossa nação, pois a ICAR [Igreja
Católica Apostólica Romana no Brasil] era em 1890 cerca de 99,5 % da
população confessante, e em 2007 caiu para 73%, estimando-se ao final
de 2010 cair para a casa dos 69% da população, e os evangélicos, em
2020 estima-se que chegarão a mais de 65% da população. Onde está
presente aqui o INTERESSE PÚBLICO?", questiona a frente parlamentar
evangélica.

Em outra página, a do presidente da frente, está a análise da
professora da Universidade de São Paulo (USP) Roseli Fischmann,
estudiosa do assunto, que considera o acordo um privilégio indevido
para a Igreja Católica.

"Como se trata da única religião com identidade jurídica, que é o
Vaticano, a Igreja Católica tem o privilégio sim de assinar um acordo
internacional, desses que nenhuma outra tem. E nem deveria ter. No
Brasil, Estado e religião não podem se misturar como ocorre com esse
estatuto. Não importa se a maioria da população brasileira é católica",
afirma (leia mais).

A reportagem entrou em contato com a CNBB nessa terça-feira (25), mas
não houve retorno de nenhum de seus representantes.

Arcabouço jurídico

Na última quinta-feira (20), o presidente da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, dom Geraldo Lyrio Rocha, rebateu as críticas feitas
ao texto. "O acordo não é polêmico. Alguns é que fazem polêmica. Ele
não fere em nada Constituição brasileira, o princípio do Estado laico,
que respeitamos e valorizamos, e não pretende nenhum privilégio para a
Igreja Católica. Ele dá um arcabouço jurídico a essa consideração do
Estado brasileiro em relação ao reconhecimento da personalidade
jurídica da Igreja Católica", afirmou.

Dom Lyrio disse que uma análise isenta desfaz qualquer restrição ao
acordo. "As resistências têm motivações partidárias, religiosas e
ideológicas. Mas lendo o acordo de forma isenta, examinando artigo por
artigo, os próprios parlamentares vão perceber que em nada o acordo
traz prejuízo ao Estado brasileiro", declarou.

A proposta foi aprovada no último dia 12 pela Comissão de Relações
Exteriores da Câmara, por 23 votos a sete. Tramita agora em regime de
urgência e pode ser votada a qualquer momento pelo Plenário.

http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_publicacao=29486&cod_canal=1

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