segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Dilma, meu Deus, a Dilma - Expresso.pt

A Dilma, meu Deus, a Dilma
O Brasil não merecerá isto e a democracia também não.
Clara Ferreira Alves (www.expresso.pt)
0:00 Quinta feira, 23 de Setembro de 2010

Deveria ficar contente com a certa e futura eleição de Dilma Rousseff,
candidata do PT, como Presidente do Brasil. Dilma será a primeira
mulher presidente de um grande país e de uma potência. Não fico. Dilma
é uma sucessora dinástica, 'geneticamente modificada' por Lula da
Silva, para manter a hegemonia e o poder quase absoluto do PT, o
Partido dos Trabalhadores, sobre o Brasil. Numa democracia mais
primitiva, Dilma seria a filha, a viúva, a mulher, a descendente ungida
pela tradição e o paternalismo deste peronismo brasileiro.

Nada a opor à colorida biografia de Dilma. Resistente, fez parte da
luta armada contra a ditadura, foi presa e torturada. Em 2009 foi-lhe
diagnosticado um linfoma que ela tem combatido e ignorado como uma
obstrução menor. É corajosa e tem título académico. Como economista,
manterá a linha de rumo que tem trazido óbvias vantagens ao Brasil e
aos pobres do Brasil. Simplesmente, Lula não é o herói dentro do Brasil
que é fora do Brasil, apesar dos comportamentos erráticos em política
externa (o cartel com Chávez e Ahmadinejad, o golpe das Honduras,
etc.). Dentro do Brasil, gente que votou em Lula e no PT está farta de
Lula e do PT, e sobretudo da tropa corrupta que segura Lula e o PT. O
Brasil gasta 2% a 5% do seu orçamento em educação e saúde, e gasta 38%
desse orçamento para pagar os juros da dívida pública. Estes juros da
dívida pública vão parar às mãos de 20 mil famílias brasileiras, que
entre si concentram a riqueza do país. A desigualdade em todo o seu
esplendor. A criação de sistemas de subsídios e bolsas tem feito muita
gente sair da pobreza e tem criado uma incipiente classe média mas,
dizem os especialistas, a cornucópia da riqueza esgota-se e, no final,
o défice brasileiro será brutal e a carga fiscal (que já é das maiores
nos mercados emergentes) aumentará. Em vez de construir pela solidez, o
Brasil pode vir a encontrar-se numa situação de rutura.

Lula tem muitas qualidades e muitos defeitos. Um dos defeitos é o de
proteger e nomear uma camarilha que se tem revelado corrupta e generosa
na rapina dos cofres do Estado e nas negociatas com os milionários e
potentados do Brasil. José Dirceu, antecessor de Dilma na chefia da
Casa Civil e o homem-chave do "mensalão" (um caso de corrupção que
teria liquidado um político na Europa ou nos Estados Unidos) continua a
ser o go-between entre Lula e os apoiantes ricos. Eike Batista, um dos
homens mais ricos do mundo e o mais rico do Brasil, é um deles.
Milionários que o apoiarão enquanto o poder estiver concentrado nas
mãos dele, e que o voltarão a apoiar caso ele se recandidate em 2014.
Outro defeito é o populismo que criou um discurso e uma liturgia
destinados a convencer os mais pobres e ignorantes de que Lula é o
santo protetor e pai de todos.

A revista "Veja" tem estado à cabeça das publicações que têm revelado
escândalo atrás de escândalo. O desta semana, nepotismo e corrupção,
enlameia o braço direito de Dilma, Erenice Gomes, sua sucessora na Casa
Civil e companheira de jornada. É um escândalo feio, que envolve
proteções e milhões e, como apareceu Lula no "mensalão", aparece Dilma
a dizer que nada sabia, não viu, não estava lá. A história de Dilma e
Erenice é longa, e juntas estiveram envolvidas noutro 'caso feio', o
caso Varig. A Casa Civil parece ser o lugar ideal para fazer mão baixa
sobre o tesouro. "Maracutaia", diz o candidato da oposição José Serra.

Lula não hesitará em fazer alianças com partidos com agendas políticas
que nada têm a ver com a esquerda ou com o PT, como já acontece. Parece
que se instalou uma política de vale-tudo, cheia de demagogia e
oligarquias. A eleição de Dilma, e o facto de o PT se preparar para
ganhar em 17 dos 27 estados, colocando governadores, pode conduzir o PT
a mais uma década de poder sem oposição, com uma coligação sustentada
pelo interesse comum. A isto pode chamar-se, e os politólogos chamam, a
mexicanização da política brasileira. Muitos jornalistas brasileiros
dizem que se prepara legislação para impedir a imprensa de fazer o seu
trabalho. Destruir o jornalismo incómodo, pressioná-lo.

Lula pode comprar o coração do povo mas não comprará a inteligência da
classe média brasileira, que assiste a isto com horror e náusea. O
chavismo não é característico de Chávez, é uma espécie de doença
crónica da América do Sul. O Brasil não merecerá isto e a democracia
também não.

Nota: O regime iraniano, que se entretém a jogar xadrez com as vidas
das mulheres (veja-se o caso da condenada a lapidação), acaba de
libertar a americana Sarah Shourd, 32 anos, por motivos de saúde. Sarah
tem um nódulo na mama. Mais de um ano de prisão, apanhada com dois
amigos a fazer caminhadas na zona de fronteira com o Curdistão. Os
outros ficaram. Acusados de espionagem. Sarah foi libertada para que
Ahmadinejad vá fazer o número anual nas Nações Unidas. Lula tem amigos
estranhos.

Texto publicado na revista Única de 18 de setembro de 2010
-- http://aeiou.expresso.pt/a-dilma-meu-deus-a-dilma=f604765


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