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Comentário do blogueiro: A matéria abaixo saiu no caderno EU & Fim de Semana do jornal Valor Econômico. Vale a leitura. Tenho ressalvas quanto ao anarco-capitalismo, que considero utópico demais e simplista também. Além disso, defendo a democracia, reconhecendo suas inúmeras imperfeições. Hoppe diz que o "deus" falhou, mas o ponto é que a democracia não deve ser encarada como um deus, e sim como o pior método de escolha das coisas públicas, exceto todos os outros (by Churchill). Dito isso, os pontos de Hoppe são no mínimo instigantes, e numa era de extremo coletivismo e governos vistos como deuses laicos por tanta gente, seu radicalismo tem lá seu valor, ainda que seja para jogar o vetor resultante na direção de menos governo e mais liberdade individual. Mas não creio em panacéias, em modelos perfeitos ou em "soluções". O que existem são "trade-offs", alternativas melhores, ou menos piores. Crises, ciclos, injustiças e abuso de poder SEMPRE existirão, e jamais acreditem em quem promete o contrário.
Economia: Nem bancos centrais, nem Estado, nem democracia. O economista alemão Hans-Hermann Hoppe imagina uma "sociedade de leis privadas".
Sergio Lamucci | De São Paulo
O alemão Hans-Hermann Hoppe é um crítico feroz dos bancos centrais. Para o economista da escola austríaca, a existência dessas instituições é a principal causa de crises financeiras como a que abateu a economia global em 2008 e 2009. "Um banco central é a única instituição que pode criar dinheiro virtualmente a partir do nada. Não se deve esperar que uma instituição que pode imprimir dinheiro, criar crédito e redistribuir renda em seu favor cause uma crise financeira?", diz ele, que se classifica também como um filósofo libertário/anarco-capitalista.
Membro-sênior do Instituto Ludwig von Mises e fundador e presidente da Property and Freedom Society, Hoppe coleciona opiniões polêmicas. Além de defender a extinção dos bancos centrais, vitupera contra a democracia, como no livro "Democracy: the God that Failed". Em seu lugar, Hoppe propõe o que chama de "sociedade de leis privadas", em que até a segurança seria oferecida por companhias particulares, num ambiente de livre concorrência. Nesse mundo, o Estado não existiria.
Hoppe falou ao Valor em São Paulo, no começo do mês. Nos dias 9 e 10, participou do II Seminário da Escola Austríaca, em Porto Alegre, promovido pelo Instituto Ludwig von Mises do Brasil. Hoppe é um entusiasta da obra de Mises, um dos expoentes da escola austríaca, defensor de uma política irrestrita de livre mercado e de respeito total ao direito de propriedade. "'Human Action', a obra mais importante de Mises, ainda será lida daqui a 200 ou 300 anos, ao passo que ninguém mais lerá Milton Friedman dentro de 100 anos", afirma ele, destacando, entre outros pontos, o fato de Mises explicar economia a partir de uma lógica aplicada, integrando-a num grande sistema.
Para Hoppe, a própria existência dos bancos centrais é a grande responsável pela crise financeira de 2008/2009, cujos efeitos ainda afetam a economia global, e não a progressiva desregulação do sistema financeiro a partir dos anos 90. "O banco central é uma instituição muito pouco comum, a única que pode criar dinheiro basicamente a partir do nada. Todos os outros que fizerem isso são considerados criminosos", ataca Hoppe, PhD em filosofia pela Universidade Goethe, em Frankfurt.
"Só bancos centrais podem criar dinheiro basicamente a partir do nada. Todos os outros que fizerem isso são considerados criminosos"
Hoppe diz que há algumas diferenças institucionais no modo como bancos centrais operam na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil, mas o princípio básico é sempre o mesmo: a possibilidade de imprimir dinheiro. "É sempre possível criar um boom reduzindo os juros a um nível artificialmente baixo. Se as coisas vão mal, o banco central pode resgatar a si mesmo, simplesmente imprimindo os recursos necessários para cobrir suas perdas. Os ganhos são privatizados, obtidos pela expansão de crédito, e as perdas são socializadas quando as coisas dão errado."
Como os bancos centrais vão continuar a existir, a eclosão de novas crises é apenas questão de tempo, afirma Hoppe, observando que o problema foi enfrentado pela impressão de ainda mais dinheiro. O resultado? Uma nova bolha em gestação, ainda maior que a anterior, que terá um colapso ainda mais drástico, vaticina.
Para o economista, a melhor resposta à crise seria ter deixado os bancos quebrarem. "Governos e Estados amam crises, porque oferecem sempre a possibilidade de aumentar o poder. A resposta à crise foi aumentar ainda mais o poder dos bancos centrais, para supervisionar o sistema bancário, quando o mais adequado seria deixar os bancos quebrados falirem. Isso teria afetado alguns grandes 'players', mas não a maior parte dos pequenos homens de negócios e as pessoas mais pobres ou moderadamente ricas. O que ocorreu foi o resgate de governos, grandes bancos e pessoas bem relacionadas. Se os bancos cometeram erros, como qualquer outra empresa, deveriam falir", diz Hoppe, para quem também é um erro o resgate dos países europeus, como Grécia e Portugal.
Mas se a crise se agravou com o colapso de um banco que não era gigante - o Lehman Brothers -, a quebra de instituições do tamanho do Citigroup e a AIG não teria um impacto ainda maior sobre a economia real? "Por que isso ocorreria? Alguns bancos quebrariam, alguns grandes investidores nesses bancos também quebrariam, mas os ativos reais no país continuariam exatamente os mesmos. Não haveria perda de bens. Haveria exatamente as mesmas fábricas, casas, imóveis. Elas apenas iriam para as mãos de pessoas diferentes, que não cometeram erros."
Ludwig Von Mises: expoente da escola austríaca, defensor de uma política irrestrita de livre mercado e de respeito total ao direito de propriedade
Para Hoppe, com essa estratégia o desemprego aumentaria por pouco tempo, e a recuperação da economia seria mais rápida. "Quando as empresas quebram, há um curto período de mais desemprego. Mas isso significa que esses trabalhadores agora estão disponíveis para outras indústrias, em que há mais demanda. O que precisamos, para lidar com o desemprego, é ter mercados de trabalho flexíveis. Os salários devem poder ir para cima ou para baixo, sem nada como leis de salário mínimo."
Mas é realista esperar o fim dos bancos centrais? "Vamos supor que tenhamos hiperinflação. Posso imaginar muito bem que a opinião pública se volte contra o Fed [Federal Reserve, o banco central americano], por exemplo. Há alguns anos, eram considerados intocáveis, falavam no Maestro [Alan] Greenspan [ex-presidente do Fed], apenas atrás de Deus. Hoje ninguém mais os vê desse modo."
Num mundo sem bancos centrais, os juros seriam fixados pelo mercado e haveria a tendência de que uma commodity, possivelmente o ouro, se desenvolvesse como moeda de uso global, para facilitar as trocas. "Por centenas de anos tivemos dinheiro-commodity e bancos privados concorrentes, emitindo suas notas, sempre resgatáveis em ouro, prata ou outro metal."
Em relação aos juros, Hoppe diz que s ão "um fenômeno de mercado, como qualquer outro preço". Para ele, a noção de que é necessária uma instituição para fixar os juros é "bastante estranha". "Os juros são simplesmente a relação entre o preço futuro e o preço presente do dinheiro."
Entre as ideias de Hoppe, chama a atenção sua visão negativa da democracia. Segundo ele, o movimento democrático foi inicialmente direcionado contra as monarquias, com o argumento de que eram baseadas em privilégios. Na democracia, isso não ocorreria, e todos seriam iguais perante a lei. "Mas isso é um erro, porque também na democracia há privilégios. A questão é que não são privilégios pessoais, mas de função. Um funcionário público pode fazer coisas que um pessoa comum não pode fazer", afirma Hoppe. "Como uma pessoa comum, não posso tomar seu dinheiro contra sua vontade e gastar como eu quiser. No caso dos funcionários públicos, isso é chamado de política social e redistribuição de renda." Com isso, privilégios existem na democracia, assim como na monarquia, exceto que eles não são de caráter pessoal.
"A resposta à crise foi aumentar ainda mais o poder dos bancos centrais, quando o mais adequado seria deixar os bancos quebrados falirem"
O segundo ponto é que, ao mudar um rei por governante democrático, troca-se alguém que considerava o país sua propriedade por alguém que se vê como um zelador temporário do país. "Na democracia, a exploração do país, por assim dizer, se torna mais orientada para o curto prazo. Tenta-se tirar o máximo que se conseguir no período mais curto possível."
Para Hoppe, outra diferença relevante é que, na democracia, a população tende a ser mais tolerante com a expansão do poder do governo. "Na monarquia, como não serei o rei e você não será o rei, sempre que o governo quiser aumentar impostos, expropriar mais, haverá resistência. Na democracia, como em teoria qualquer um pode se tornar 'rei', há mais tolerância em relação a isso. Não gosto de pagar mais impostos, mas talvez amanhã eu esteja recebendo os recursos dos impostos."
Hoppe não propõe, contudo, a volta da monarquia absoluta. Segundo ele mesmo escreveu num artigo, isso seria hoje considerado risível. O que defende é uma sociedade de leis privadas. "Todo indivíduo e toda instituição estariam sujeitos exatamente às mesmas leis. Não haveria nenhuma instituição que pudesse cobrar impostos de outras pessoas ou que tivesse o monopólio da produção de qualquer coisa." Nesse mundo, haveria também livre competição na oferta de segurança, com forças policiais privadas, companhias de seguro privadas e agências privadas de arbitragem, que teriam que oferecer contratos, em contraste com a situação atual. Não temos nenhum contrato com o Estado."
Segundo Hoppe, no Estado democrático, quando há conflito entre um cidadão e um órgão estatal, não há arbitragem independente. Há outras pessoas, também empregadas do Estado, que decidem quem está certo. "Além disso, uma companhia privada que o proteja nunca poderia mudar o contrato unilateralmente, como fazem os Estados ao aumentar os impostos, por exemplo. Sempre que eles passam uma nova lei, as regras do jogo mudam. Coisas que eram legais ontem se tornam ilegais amanhã."
Como transição até esse modelo, Hoppe imagina um mundo com "dezenas de milhares de países, regiões e cantões, e centenas de milhares de cidades livres independentes, como as excêntricas Mônaco, San Marino, Liechtenstein, Hong Kong e Cingapura". Para ele, esse seria um mundo de prosperidade, crescimento e avanço cultural sem precedentes. como afirmou em entrevista ao "The Brussels Journal". A vantagem, segundo Hoppe, é que pequenos Estados são menos propensos a recorrer a políticas protecionistas, dando prioridade ao livre comércio.
Tudo isso não é utópico demais? "O que os socialistas queriam era verdadeiramente utópico, porque queriam mudar a natureza do homem. O que estou dizendo, o que os libertários dizem, não é utópico nesse sentido", responde Hoppe. Para ele, um fator que pode levar o mundo a caminhar na direção de maior descentralização é a inviabilidade do Estado de bem-estar social. Os sistemas previdenciários, por exemplo, não podem ser financiados no longo prazo, diz.
"Quando esse colapso ocorrer e o Estado de bem-estar social não puder mais ser financiado, poderá haver uma tendência em direção à descentralização e à secessão", afirma Hoppe. Os alemães podem se cansar de custear o socorro a países como Grécia e Portugal. Também pode ocorrer o mesmo com países mais pobres, como Estônia, Lituânia e Eslováquia, cujo padrão de vida é mais baixo do que na Grécia, mas que adotaram políticas econômicas mais sóbrias que os gregos. O mesmo movimento poderia ocorrer dentro dos países, acredita Hoppe, que vê como possível o colapso do Estado de bem-estar social em algo como 20 anos.
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