"Como tantos outros reacionários instrumentos implantados pela
autoridade pública subserviente ao alto comando empresarial,
sustentáculo do regime militar, o FGTS é uma excrescência por natureza"
Osvaldo Martins Rizzo*
"Loucura! Gritou o patrão, não vês o que te dou eu? Mentira! Disse o
operário, não podes dar-me o que é meu". ('O Operário em Construção' –
Vinicius de Moraes)
Quatro dias antes de renunciar ao cargo de presidente da República,
Jânio Quadros anulou as ilegais autorizações concedidas para a
multinacional Hanna Mining Corporation, restituindo à reserva nacional
o legítimo direito extrativista das ricas jazidas de ferro de Minas
Gerais.
Empossado, o trabalhista João Goulart manteve a decisão de Jânio, mas,
quando deposto pelo golpe militar em 1964, seus auxiliares reformistas
- Celso Furtado, por exemplo - foram substituídos por elementos
conservadores umbilicalmente ligados aos grandes interesses
econômico-financeiros, como Octávio Gouveia de Bulhões, que atuaram
para que a Hanna recuperasse a concessão da exploração das minas de
ferro. Artigo publicado na revista Fortune, de abril de 1965, expôs o
incontido prazer do imperialista em saquear riqueza alheia ao afirmar:
"Para a Hanna, a revolta que derrubou Goulart na primavera passada
chegou como um desses resgates de último minuto pelo Primeiro de
Cavalaria".
Indicadas pela classe patronal - que tinha num dos seus principais
líderes o milionário banqueiro mineiro Magalhães Pinto, instigador do
voluntarioso general Mourão Filho, iniciador da quartelada – as
comprometidas novas autoridades zelaram pelos interesses dos mais
abastados lançando a economia nas agruras dos efeitos ruinosos da
alquímica correção monetária, embrião da subseqüente mega-inflação
inercial que enriqueceu os banqueiros-agiotas; concentrou renda e impôs
um brutal arrocho salarial atirando a maioria da classe trabalhadora
num nível haitiano de pobreza.
Movidos pela ganância do lucro fácil com a selvagem exploração do
trabalhador, os patrões - além de patrocinar a Operação Bandeirantes,
cujos impunes facínoras torturaram e assassinaram inocentes brasileiros
- exigiram dos generais a intervenção nos sindicatos obreiros para
acabar com a estabilidade no emprego. Assim nasceu outro dos muitos
instrumentos casuísticos criados pela convergência das forças
empresarial-militar que mandou no País por vinte e um anos: o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) instituído pela Lei nº 5.107/66.
Como tantos outros reacionários instrumentos implantados pela
autoridade pública subserviente ao alto comando empresarial,
sustentáculo do regime militar, o FGTS - uma antidemocrática poupança
compulsória - é uma excrescência por natureza. Não é surpresa a
constatação feita pelo 'Instituto FGTS Fácil' de que o seu estoque de
recursos financeiros - um patrimônio do trabalhador - está se
desvalorizando aceleradamente ante a inflação, notoriamente nas últimas
décadas.
Usado politicamente para fomentar a desenfreada corrupção quando
emprestado a vários municípios para financiar a construção de obras
públicas de infraestrutura, o saldo dos recursos do FGTS vem se
depreciando rapidamente como consequência, notadamente, do descasamento
entre o indexador financeiro que o remunera e o de preços que refletem
a inflação oficial.
O mais recente ataque aos cofres do FGTS deu-se através da emissão da
Resolução nº 578 do seu Conselho Curador autorizando a aquisição de
papéis gerados por firmas privadas com graves dificuldades de caixa que
afugentam os bancos comerciais na concessão de crédito. Com isso,
gastou-se R$ 4,5 bilhões na compra de títulos ilíquidos emitidos por
empresas do setor habitacional e cotas de fundos de investimento em
recebíveis imobiliários incapazes de gerar qualquer ativo produtivo.
Se, com o tempo, os bônus comprados pelo FGTS se valorizarem e puderem
ser revendidos ao setor privado poderá restar preservado, a valores
correntes, o patrimônio do trabalhador. Todavia, caso a recorrente
inadimplência do ramo habitacional derrube os preços dos papéis e,
desse modo, não sejam transferidos por falta de comprador, deveras,
estará caracterizada uma operação de simples doação de recursos do
trabalhador para o setor patronal, sem qualquer contrapartida. Noutras
palavras: o administrador do fundo apostou dinheiro alheio adquirindo
títulos de alto risco que podem indispor de valor residual futuro.
Esse fato diminui a já frágil garantia atual de que o trabalhador
possa, quando se aposentar, sacar integralmente os valores a que tem
direito ainda que nas mui restritivas situações permitidas pela Lei
Regente, um dos malévolos legados da ditadura militar que, como alguns
velhos congressistas neo-udenistas, ainda teimam, como verdadeiros
mortos vivos, em assombrar o trabalhador brasileiro.
*Osvaldo Martins Rizzo – engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). --
http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_publicacao=31601&cod_canal=4
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