quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O trem-bala no Brasil: transporte para o atraso!

O trem-bala no Brasil: transporte para o atraso!

Orçado em US$ 18 bilhões, projeto do trem-bala está desconectado da
realidade do país, diz professor

Eduardo Fernandez Silva*

Embora propalado como sendo uma porta para a modernidade, o trem-bala
Rio–São Paulo-Campinas nos levará a mais atraso e subdesenvolvimento.
Embarcar no projeto do trem-bala implicará mais gasto público para
construir projeto desconectado das necessidades nacionais, cujos
orçamento e prazo de implantação serão muito maiores que a previsão
inicial. Mais ainda, trata-se de projeto que não deixará legado de
desenvolvimento industrial ou tecnológico, e cujos melhores empregos
serão criados no país fornecedor dos equipamentos e financiamentos. Sua
breve e reveladora história mostra os caminhos do atraso.

A pré-história do projeto começa com a tentativa de se "vender" ao
Brasil um trem-bala que ligaria Brasília a Goiânia. A proposta recebeu
da população o apelido depreciativo de "expresso pequi" e, felizmente,
acabou abandonada.

A ideia de implantar o trem-bala Rio-São Paulo entrou na agenda
política por volta de 2005, baseada na inacreditável promessa de uma
empresa italiana, denominada Italplan, que "garantia" que o projeto
seria viável sem qualquer aporte de recursos públicos. Daí,
argumentava-se: se nós brasileiros "ganharemos" um moderno e rápido
meio de transporte sem comprometimento de recursos públicos, por que
não permitir que seja implantado?

Já à época da proposta da Italplan qualquer análise mais aprofundada
revelaria a fragilidade dos seus argumentos: primeiro, a empresa não
possui nenhuma experiência em planejar ferrovias; segundo, não existe,
no mundo, trem-bala construído e operado sem o aporte de volumosos
recursos públicos. O grupo de trabalho encarregado de analisar o
projeto, porém, optou por acreditar na promessa.

Hoje, ninguém duvida de que o uso de recursos dos contribuintes é
essencial para a implantação do trem-bala. No entanto, as autoridades
parecem não saber que desapareceu o que seria o grande atrativo do
projeto: ser realizado sem aporte de recursos públicos!

A estimativa de custo mais recente para implantar o trem-bala é de
cerca de US$ 18,2 bilhões. Como se sabe, é da natureza do processo
político que, para viabilizar grandes obras públicas, elas sejam
orçadas, inicialmente, por muito menos que seu custo real, e que seus
supostos benefícios sejam, também no início, inflados ao extremo. Essa
estratégia facilita "convencer" aqueles que decidem da "importância" do
projeto. A julgar pelo ocorre na maioria dos projetos públicos,
certamente que a estimativa inicial será ultrapassada, em muito. De
acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, mais da metade das obras do
PAC tiveram seus custos iniciais aumentados, alguns em até mais de
100%. Por que razão seria diferente com o trem-bala?

Ainda não se sabe quanto desses mais de dezoito bilhões de dólares será
de dinheiro dos contribuintes! Digamos que a participação do governo
seja de "apenas" 30%, ou cinco e meio bilhões de dólares. Se essa
suposta participação do governo federal no custo do trem-bala fosse
dividida igualmente, entre as capitais dos 27 estados, cada uma delas
receberia mais de duzentos milhões de dólares. Não seria uma aplicação
muito mais coerente com a necessidade de desconcentrar o
desenvolvimento do Brasil? Não seria muito maior o número de pessoas
beneficiadas? Como explicar que, diante de tal concentração de recursos
federais em apenas dois estados, os representantes dos demais 25 não se
manifestem? Caso Recife, Porto Alegre, Macapá, Belém e outras capitais
recebessem, cada uma, duzentos milhões de dólares, a segurança pública,
a educação, a mobilidade das pessoas não ficaria muito melhor?

O trem-bala foi inserido no Plano Nacional de Viação - PNV por meio do
Projeto de Lei de Conversão nº 5, de 2006, que alterou a Medida
Provisória nº 274-A, de 2005. Praticamente, não houve qualquer debate
sobre seus custos e benefícios. O projeto ganhou força quando do apagão
aéreo: embora existam outras opções mais baratas para se ampliar a
capacidade de transporte rápido de passageiros entre as duas capitais,
o trem bala foi "vendido" como a solução para a ligação Rio-São Paulo.
Alternativa questionável, pois a passagem será mais cara que a de
avião: de acordo com os estudos recém divulgados, o preço da passagem,
estimado em R$ 200,00, será superior ao preço da ponte aérea!
Questionável até mesmo para quem hoje viaja de avião, o trem-bala é de
nenhuma valia para quem vai de carro ou ônibus, inútil para quem não
viaja entre tais cidades e gravoso para todo o restante do país. Aliás,
o trem-bala de Taiwan, que opera há pouco mais de um ano, está ocioso e
já acumulou US$ 1,5 bilhão de prejuízos operacionais – fora o custo da
sua implantação! –, pois a população prefere pagar bem menos e viajar
nos trens comuns, aceitando uma viagem mais demorada.

Outra ideia difundida e hoje corrente, embora revele um otimismo
magnífico, ajuda a apressar decisões pela implantação do projeto: o
argumento de que a obra será necessária para o brilho da Copa do Mundo
em 2014. Ora, em nenhum lugar do mundo uma linha de trem-bala de mais
de 400 km foi construída em menos de dez anos, e faltam apenas cinco
para a Copa. Não será o Brasil, com a sua longa tradição de obras
públicas inacabadas, cronogramas que se arrastam indefinidamente,
carência de recursos públicos, etc., que vencerá tal desafio.

A megalomania do projeto se revela também de outra maneira: estão
previstos 98 km de túneis e 107 km de pontes. Trata-se, naturalmente,
de algo próximo do paraíso, para as empreiteiras, e do inferno, para a
população que não viaja de avião. Comparem-se os 98 km de túneis para o
trem-bala com a rede do metrô de São Paulo que hoje, após mais de
trinta anos de obras, não tem sequer 70 km de extensão!

Há muitos outros problemas, mas o espaço aqui não é suficiente. Um
outro argumento básico contra o projeto é ilustrado com a questão:
quando são tantas as carências na educação, na saúde, na segurança e na
infra-estrutura de transporte, inclusive entre Rio e São Paulo, para
que investir tanto dinheiro público em um projeto que, se funcionar,
beneficiará principalmente os pouquíssimos brasileiros que terão
dinheiro para pagar as caras passagens? Os empregos que serão gerados
com a implantação do trem-bala não poderiam ser criados com outras
iniciativas de interesse mais imediato para a população?

Incluído no PAC, muitos técnicos do Poder Executivo federal perceberam
a mensagem subliminar: criticar o projeto, que tem prioridade política,
pode prejudicar sua carreira ou posição; técnicos das localidades por
onde passará o trem de alta velocidade, além de acreditarem que as
obras não serão pagas com os recursos municipais, preferem crer que
elas trarão muitos empregos e "progresso"... Assim, para quê questionar
o projeto? Até lideranças de empreiteiros de obras públicas, desde que
o anonimato lhes seja garantido, reconhecem que a proposta é, no
mínimo, de questionável interesse público, ou extemporânea.

Não obstante tudo isso, la nave vá...

Finalmente, agora em julho de 2009, o governo divulgou estudo sobre o
trem-bala, elaborado por empresa inglesa de consultoria.
Incidentalmente, este estudo deveria ter sido concluído e divulgado em
outubro de 2008; seu atraso, já superior a oito meses, apenas mantém
longa e infeliz tradição brasileira e parece prenunciar o futuro do
trem-bala...

Esse estudo da consultoria inglesa, segundo notícias na imprensa,
estima que 32 milhões de passageiros usarão o trem-bala anualmente, a
partir de 2014, mas destes apenas 7 milhões farão o trajeto RJ-SP; os
demais farão pequenos trechos ao longo do trajeto, como São Paulo-São
José dos Campos. Não está claro como se estimou tais números. Ainda
assim, fica evidente a incoerência do projeto: para que um trem-bala,
se a maioria dos passageiros fará pequenos trechos, tão pequenos que,
neles, o trem não poderá acelerar até atingir velocidade máxima? Para
que comprar uma Ferrari, se não se pode ir além do quarteirão?

A defesa do projeto usa ainda outro argumento débil: a ideia de que
haverá transferência de tecnologia. Já se cogita, até, criar uma nova
estatal para absorver os conhecimentos! A inconsistência do argumento
revela-se porque, se já é tão questionável a viabilidade de implantar o
trem-bala entre as duas maiores metrópoles nacionais, certamente as
chances de um segundo trem-bala são ainda mais remotas. Nesse quadro,
se não há outros trens nos quais utilizar a tecnologia, nem existem
trens de passageiro de longa distância no Brasil que pudessem dela se
beneficiar, como era o caso da Europa, Japão e China, entre outros,
para quê comprá-la? Se é para dar início à implantação de uma malha de
transporte ferroviário de passageiros, iniciá-la com o trem bala ou TAV
é ideia que se assemelha à proposta de começar pelo telhado a
construção de uma casa!

Mais um argumento ingênuo tem sido usado para justificar o projeto:
afirma-se, e a imprensa está cheia de exemplos, que tanto o trem-bala é
viável que há empresas e bancos estrangeiros interessados no projeto. É
verdade; há empresas e bancos interessados no projeto, e com freqüência
seus representantes têm visitado autoridades brasileiras. Quem são
eles? Empresas vendedoras de trem-bala e bancos interessados em
financiar o projeto, desde que com a garantia do Tesouro Nacional!
Certamente, o uso de argumentos tão precários sugere que não há motivos
mais fortes e publicáveis para se embarcar em tal projeto.

Por fim, uma questão de fundo: quais as características do processo
político brasileiro que possibilitam o comprometimento de tão vastos
recursos públicos em projeto tão questionável e que atende apenas a
interesses tão limitados e particulares?

*Professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e de Logística
do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB).

http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_publicacao=29266&cod_canal=4

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