Osvaldo Martins Rizzo*
"Uma circunstância essencial da Justiça é administrá-la; fazê-la
esperar ou deferi-la é já uma injustiça" (Jean de La Bruyére).
Transcorrido quase um ano da cinematográfica bancarrota do banco de
investimento Lehman Brothers (o epicentro da maior crise econômica
desde 1.929) a desacreditada confraria financista hegemônica continua
tentando, como sempre fez, tapear os incautos.
Agora, os arautos do livre mercado jogam a culpa pela eclosão da crise
na adoção de um modelo inadequado de avaliação dos preços dos papeis
que, segundo os mesmos especialistas que outrora o defendiam, precisa
ser trocado por outro que reflita o 'preço justo'do ativo.
Esquecem que, na Grécia antiga, um discípulo do filósofo Sócrates
chamado Platão propôs a teoria dos 'preços justos' que guiaria os
mercadores nas operações comerciais, um primitivo modelo de
concorrência perfeita baseado numa visão lógica. No século XVIII, surge
o conceito menos exato das 'mãos invisíveis' de Adam Smith, teorizando
de forma otimista as relações comerciais em mercados perfeitos de livre
concorrência.
Coube ao matemático Antoine Cournot revelar o engodo ao provar que tal
teoria explica transações comerciais apenas em mercados com muitos
agentes de oferta competindo entre si. Onde poucos participantes não
competem, mas se compõem para fixar preços, tem-se o mercado imperfeito
dos acordos horizontais fechados entre concorrentes conhecidos como
cartel ou oligopólio.
A conduta histórica dos mercadores é a da práxis anti-competitiva
criadora do conluio oligopolista para repartir a demanda entre os
poucos agentes de oferta que impõem preços mais altos previamente
combinados pelo grupo.
Usuárias do modelo de Eichner e especializadas na prática antimercado
de compensar queda das vendas com a alta proporcional no preço final,
mantendo, a valores correntes, o faturamento e a rentabilidade (e
imunes à concorrência das importações) essas empresas desfrutam das
maiores margens de lucro de toda a cadeia produtiva, pois os
oligopólios repartem entre seus membros a demanda levando-os,
frequentemente, a serem denunciados em processos de formação de cartel
pelos órgãos antitrustes.
Dados disponibilizados pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelam que, na economia real, essa
condenável prática mercantilista aumenta o preço de venda em 10%; reduz
a oferta em 20%; proporciona menos inovações; reduz a variedade e
qualidade dos produtos.
No Brasil, as ações dos órgãos públicos de defesa da livre concorrência
são quixotescas.
O próprio governo federal é conivente ao permitir o recorrente conflito
interno de conviver com autoridades que abertamente defendem o
empréstimo de dinheiro público a juros subsidiados para a formação de
empresas dominantes em mercados oligopolizados.
Por aqui, a primeira condenação por formação de cartel ocorreu em
1.999, quando as grandes siderúrgicas foram julgadas culpadas de
combinar o preço do aço e punidas pelo tribunal administrativo do CADE
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) com uma multa
proporcional ao faturamento anual. O 'cartel do aço' recorreu da
sentença e, ainda hoje, a discussão se arrasta no Judiciário. Algo
semelhante se passou com o cartel dos vergalhões de aço para a
construção civil; dos extratores gaúchos de areia e dos fornecedores
paulistas de pedra britada.
Os carteis brasileiros continuam impunes graças a uma indefinição do
TRF/DF (Tribunal Regional Federal de Brasília) que os permite livrar-se
do pagamento de multas milionárias e prosseguir praticando a combinação
prévia de preços.
O fato seria cômico se não fosse trágico para o consumidor brasileiro,
pois o enleado TRF/DF simplesmente não consegue decidir qual das suas
Seções (se a 3a ou a 4a) é competente para julgar os casos, o que
propiciou a paralisação da tramitação dos processos de julgamento dos
cartéis como o do aço e das britas.
* Engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). --
http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_publicacao=29379&cod_canal=4
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