URL: http://bulevoador.haaan.com/2011/02/24/violencia-contra-mulher-no-brasil/
Autor: Alex Rodrigues
A violência contra as mulheres é uma mancha terrível em nossa sociedade. Claro que há países em que a situação é muito pior, porém isso não nos exime de responsabilidade na perpetuação desse tipo de agressão.
Em recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc, estimou-se que a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas no Brasil. Há 10 anos essa estimativa era de oito mulheres a cada dois minutos.
A pesquisa ("Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado") foi realizada em agosto de 2010 e ouviu 2.365 mulheres e 1.181 homens com mais de 15 anos. Por meio de uma projeção da amostra para o cenário nacional, os pesquisadores concluíram que 7,2 milhões de mulheres com mais de 15 anos já sofreram agressões, sendo que 1,3 milhão nos 12 meses que antecederam a pesquisa.
Irrelevante dizer (será?) que não importa muito se a estimativa é confiável ou não. A violência contra as mulheres é real e corriqueira, e (permito-me aqui fazer uma espécie de reductio ad absurdum) mesmo que fosse limitada “apenas “ao universo pesquisado, já mereceria todos os tipos de ataque.
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O professor da USP e supervisor da pesquisa, Gustavo Venturi, disse que “Os dados mostram que a violência contra a mulher não é um problema privado, de casal. É social e exige políticas públicas”. Tais políticas tomaram peso com a criação da Lei Maria da Penha, o que pode ajudar a explicar a pequena diminuição desses números em relação a 2001. Venturini afirmou que “A lei é uma expressão da crescente consciência do problema da violência contra as mulheres”.
85% dos entrevistados conhecem a lei e 80% a aprovam. Interessante que dentre os 11% que criticaram essa legislação, a principal ressalva é referente ao fato desta ser insuficiente.
A opinião dos homens pesquisados mostra como que ainda temos muito para melhorar. Segundo a pesquisa 8% dos entrevistados admitem já ter batido em uma mulher, 48% dizem ter um amigo ou conhecido que o fizeram e 25% têm parentes que agridem as companheiras. Esses dados evidenciam como o pensamento machista ainda floresce em parte da população. É possível, inclusive, que tais dados estejam subestimados, ressalva que o próprio supervisor da pesquisa fez.
Surpreendentemente (ou não), 2% dos homens declararam que “tem mulher que só aprende apanhando bastante”, e dos 8% que assumem praticar a violência, 14% acreditam ter “agido bem” e 15% declaram que bateriam de novo. Realidade triste, vergonhosa e perversa.
Saindo um pouco do assunto principal, um outro aspecto abordado na pesquisa dá indícios sobre como nossa cultura familiar ainda tolera e reproduz a violência. No quesito violência na infância, 78% das mulheres e 57% dos homens que apanharam quando crianças acreditam que dar tapas nos filhos de vez em quando é necessário. Entre as mulheres que não apanharam, 53% acham razoável dar tapas de vez em quando.
Engana-se quem acha que violência contra as mulheres é uma situação restrita a lares brasileiros. Agentes da lei, pessoas pagas para manter a ordem da sociedade, muitas vezes são os reprodutores de comportamentos nefastos.
Um caso que vi esta semana me chamou especial atenção. Policiais agrediram de forma torpe uma colega de profissão (uma policial civil, escrivã) acusada de receber 200 reais para arquivar um inquérito. As imagens foram divulgadas em reportagem exclusiva do Jornal da Band. O vídeo foi divulgado no YouTube, embora possa ser retirado por conter conteúdo considerado impróprio.
Em resumo, um delegado queria revistar a escrivã. Ela disse que podiam revistá-la, desde que a revista fosse feita por uma policial mulher, uma solicitação mais do que sensata. Seu pedido foi ignorado, ela foi algemada e despida à força pelos homens, na frente de uma câmera, que a filmou nua. Tudo isso realizado por policiais da corregedoria. É, aquele órgão da polícia responsável para investigar desvios da própria polícia. Esse caso aconteceu em 2009. Importante ressaltar que para a análise da situação exposta neste texto, é completamente irrelevante a procedência ou não da acusação, uma vez que o assunto aqui gira em torna da violência contra mulheres.
Como bem observou a Lola Aronovich em seu post sobre o caso, "A única pessoa punida até agora foi a escrivã, que foi expulsa, apesar de não ter sido julgada. Não aconteceu absolutamente nada com os seis homens e as duas mulheres presentes, todos agentes públicos. Ainda hoje, a corregedoria jura que não houve nenhum equívoco de sua parte. Pelo contrário, diz que sua ação foi 'correta e moderada'. Despir uma mulher à força na frente de seis policiais homens é moderadíssimo".
Agora, imaginem. Que tipo de atitude pode-se esperar de policiais como esses em outras situações? Levando-se em conta o histórico de abuso e violência, como eles agiram no caso de uma prostituta que fosse denunciar um caso de agressão? E estas, caso fossem maltratadas por policiais, recorreriam a quem? À corregedoria? O que podemos esperar se a polícia, braço da lei (na teoria, pelo menos), se comporta como criminosos?
Foi aberto inquérito na corregedoria para a investigação do abuso de autoridade, porém, este já foi arquivado.
As repercussões desse caso são, a meu ver, quase tão absurdas quanto a própria situação. A corregedoria sustenta que não houve excessos na ação. Segundo a corregedora Maria Inês Trefiglio Valente, os policiais agiram “dentro do poder de polícia”. Um promotor ouvido no inquérito, Everton Zanella, disse que “Houve apenas um pouco de excesso na hora da retirada da calça da escrivã, todavia, em nenhum momento vislumbrei a intenção do delegado que comandava a operação de praticar qualquer ato contra a libido da escrivã”. Bom, assistam o vídeo e tirem suas conclusões sobre se "houve apenas um pouco de excesso".
Em declaração ao G1, a escrivã disse "Na hora, senti desespero, acuada por aqueles homens, em uma situação humilhante. Na hora que tiraram a minha roupa, eu pedi pelo amor de Deus para não filmar a minha intimidade. Foi uma violência; como mulher, fui violentada".
O absurdo não para por aí. Como bem observou no seu post a Lola, "uma das frases mais chocantes é quando o autoritário diz pra ela, 'Você não tem que querer'. E, pasmem! O vídeo não foi aceito como prova no inquérito por causa da postura de vítima da escrivã".
Uma argumentação legal extensa que derruba qualquer alegação pífia da corregedoria pode ser conferida em detalhes no Blog do Vlad. Note-se que, da forma como foi feita, toda essa operação pode ter servido apenas para expor a escrivã a essa situação degradante, uma vez que provas conseguidas de forma ilegal são inválidas, pois como podemos ver no blog citado “Para dizer o menos, teoricamente a conduta deles poderia ser tipificada como constrangimento ilegal (art. 146, §1º, do CP) e abuso de autoridade (art. 4º, letra 'b', da Lei 4.898/65), pois "Constitui também abuso de autoridade submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei".” (recomendo a leitura do post completo no Blog do Vlad).
Segundo o G1, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Antonio Ferreira Pinto, determinou na noite de segunda-feira (21) o afastamento de dois delegados lotados na Corregedoria da Polícia Civil que aparecem no vídeo. Um terceiro delegado que também esteve envolvido na ação da Corregedoria já não integra mais os quadros do departamento. O secretário determinou a instauração de processo administrativo disciplinar para apurar “a responsabilidade funcional” de cada um dos corregedores, bem como do delegado titular da Divisão de Operações Policiais da Corregedoria à época, que, segundo a nota, “concorreu para o desfecho daquela intervenção policial”. O secretário também determinou a expedição de ofício ao procurador de Justiça “manifestando perplexidade com o requerimento de arquivamento do inquérito policial instaurado por abuso de autoridade pelo representante do Ministério Público”.
Ao me deparar com pesquisas e situações como as expostas acima, chego a ficar com o estômago embrulhado quando ouço alguém dizendo que as mulheres já alcançaram a igualdade de direitos em nossa sociedade (sim, já ouvi isso, por incrível que pareça).
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Atualização:
A Folha de São Paulo obteve acesso ao capítulo “Violência no Parto” da pesquisa da Fundação Perseu Abramo e Sesc citada no início do post. Segundo o site “uma em cada quatro mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou privados relatou algum tipo de agressão no parto, perpretada por profissionais de saúde que deveriam acolhê-la e zelar por seu bem-estar. São agressões que vão da recusa em oferecer algum alívio para a dor e xingamentos até gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatório.” Foram 27% das mulheres atendidas na rede pública de saúde e 17% das atendidas na rede privada. Algumas frases relatadas:
-”Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo” (15%)
- “Na hora de fazer não chorou. Não chamou a mamãe, por que está chorando agora?” (14%)
- “Se gritar, eu paro o que estou fazendo. Não vou te atender.” (6%)
- “Se ficar gritando vai fazer mal para o seu neném. Seu neném vai nascer surdo.” (5%)
Fontes:
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