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...Ou pessoas viciadas em pontos de entulho??
Outro dia discuti com uma mulher na rua – na verdade foi ela que discutiu comigo. Eu analisava uma área pública perto da Subprefeitura, pensando o que a gente pode fazer com ela, quando parou um carro ao meu lado, desceram a motorista e um homem com jeito (roupa) de pedreiro. Abriram o porta-malas e começaram a descarregar dois sacos de entulho, que pretendiam depositar na calçada.
Eu me aproximei e, antes mesmo de abrir a boca, ela já se adiantou: "Não pode?". "Não, não pode. Não pode colocar entulho na calçada".
- Mas olha aí, todo mundo já colocou!
- Pois é, e todo mundo colocou errado. Lugar de entulho não é na calçada.
- A prefeitura passa com o caminhão e recolhe, eu vi.
- Claro que recolhe. As pessoas põem lixo aí, eu sou obrigada a recolher. Vou fazer o que, deixar tudo aí? Mas a prefeitura não tem um serviço de coleta de entulho na rua... Nossos caminhões circulam todo dia recolhendo o que jogam no lugar errado, mas demora uma semana pra conseguir passar de novo em cada lugar, ou mais. Enquanto isso, fica aí amontoando...
(Mesmo com pouco entulho - fica bem pior do que isso - é HORRÍVEL, inaceitável)
- Mas então o que eu faço com o meu entulho? Vou pagar R$250,00 em uma caçamba, por causa de dois saquinhos de entulho?
- Olha, a responsabilidade pelo entulho é de quem produz. Até 50kg, pode deixar embalado para a coleta domiciliar.
- Ah, mas se não der uma caixinha o lixeiro não leva!
- Então ele está errado e a senhora pode reclamar na empresa. Mas na calçada não pode colocar seu lixo. Olha que horror! Enquanto não vem o caminhão, fica assim. Isso aqui é passeio público, não é depósito de lixo.
Uma moça parou para ouvir e entrou na conversa:
- E aquela caçamba ali [a poucos metros de distância]?
- É particular, né? Vou lá botar meu lixo na caçamba de outro?
Pois é, pra ver a relação com o espaço público... Na caçamba do outro não pode (ok, é um respeito básico, ainda bem) – mas na calçada de todos, pode!
***
A motorista insistiu. "Você não vai mesmo me deixar colocar aí? São dois sacos pequenos, olha só!"
- Eu não posso deixar! Se coloca no meu lugar, eu vou ver alguém colocando lixo na rua e deixar? Imagine que passa alguém e vê isso. Acharia certo? Eu tenho o maior problema com lixo no lugar errado, aí vejo alguém querendo colocar e deixo?
- Então coloca alguém aí de plantão, 24 horas por dia! Não é justo! Todo mundo pode e eu não posso!
- NINGUÉM pode, e se eu vir alguém não vou deixar. Não tenho 100 funcionários pra deixar de plantão em cada ponto viciado! Mas estamos pensando em colocar câmeras pra gravar e multar os infratores.
- FAÇA ISSO! – e foi embora louca da vida. Eu ainda disse "tem um Ecoponto em Pinheiros", mas ela não quis nem saber onde - "Ah, e eu vou ATÉ PINHEIROS?"
***
Fiquei com raiva de ainda não terem colocado uma placa ali dizendo – como se alguém ainda não soubesse – que é "PROIBIDO colocar entulho". Mas quando me afastei um pouco, vi que a placa estava bem ali; estávamos abaixo dela. Quando cheguei à Sub, pedi logo para colocarem a placa mais para baixo.
(Aquela mancha amarela no poste é a parte de cima da placa. Ela é escandalosa, dá pra ver de longe, mas estava bem acima da linha do olhar. Agora já não está mais)
***
Há placas como essas em dezenas de lugares, e já mandamos fazer mais.
Em uma reunião na Secretaria de Justiça (sobre o Fórum da Lapa – depois eu conto exatamente o que), uma advogada presente reclamou que na esquina da casa dela está sempre cheio de lixo, "que a prefeitura DEIXOU colocar ali". "Não, espera aí, a gente não dá conta de recolher tanto lixo de lugar errado, mas a gente não "deixou" ninguém colocar lixo na esquina". "Deixou, tem uma placa lá, 'aquele negócio de Cata Bagulho...". "Não tem uma placa deixando nada! Cata Bagulho é uma operação com dia marcado, roteiro definido. Não tem um ponto fixo; a prefeitura não deixa colocar bagulho em uma esquina todo dia". Começamos a bater boca – "DEIXOU!", "NÃO DEIXOU" – até que pediram pra gente discutir depois para que a reunião pudesse continuar.
Terminada a reunião, fui pedir o endereço do lixo pra ver se algum gaiato tinha colocado uma placa "aqui pode", mas ela explicou: "É uma daquelas placas dizendo 'Proibido Colocar Entulho'. Aí as pessoas deduzem que entulho não pode, mas bagulho pode!"
[Escrevi 3 comentários diferentes para encerrar o texto, mas apaguei os três].
***
Continuei passando no ponto viciado onde discuti com aquela senhora. Coitada da placa, completamente desmoralizada. Pedi, então, para um funcionário da apreensão dar um "plantão" ali perto – não seria de 24 horas – para flagrar e punir algum infrator.
Dali a duas horas, ele me liga. "Um rapaz despejou vários restos de reforma na calçada – manta isolante de telhado e umas outras coisas. A gente acompanhou e viu a obra de onde ele tirou esses materiais. E agora?"
"Agora chama um agente vistor para lavrar o auto de multa".
15 minutos depois, ele liga de novo. "O agente vistor já veio. A mulher tá brava pra caramba. Disse que te conhece. Ela é [assim, assado]. Diz que conversou com você outro dia ali mesmo, do lado do ponto viciado. Que não tem culpa que o pedreiro levou as coisas lá, que ela sabe que não pode, que é um absurdo tomar a multa".
"Foi um flagrante de infração; não dá para fingir que não viu e não aplicar a multa! Não adianta ela saber que não pode e o pedreiro que trabalha para ela ir lá colocar o material. O lixo é dela; ela tem de saber para onde vai o lixo".
***
Acabou ainda não.
Ela mandou um email sinceramente, profundamente indignado. Por ser uma pessoa muito consciente, de várias maneiras preocupada com questões ambientais, ficou revoltada com uma multa por lixo no lugar errado. Explicou todos os cuidados que tem em seu serviço (só usa madeiras certificadas, p ex), a preocupação em orientar seus clientes, a sensibilidade com a natureza... Disse que não sabia que o pedreiro ia levar o lixo para lá e achou um absurdo um funcionário ficar postado, pronto para uma "emboscada". Classificou como autoritário, abusivo. "Você deveria colocar alguém ali para ficar orientando as pessoas, não multando".
*Ai*
Eu, por exemplo, sou uma motorista consciente, responsável, que respeita pedestres e ciclistas etc. Se eu tomar uma multa por direção descuidada, vou ficar fula da vida. "Nego passa a 160km/h pelo acostamento e eu tomo uma multa por passar a 106km/h onde o máximo é 100km/h!". Pois é, tomo. O radar não mede minha vida toda, mede aquele instante em que eu passei por ele. Como fazer diferente? Monitorando minha velocidade (e a de todo mundo) 100% do tempo? Se a minha empregada colocar um móvel velho na rua (como ela queria fazer outro dia, na maior inocência, porque "alguém pega"), estou sujeita a tomar uma multa.
Ela pediu "orientação, não multa". Mas meu deus do céu, o que falta fazer para orientar? Tem campanha na televisão, tem matéria nos jornais, a gente fala nas rádios, tem uma bendita placa dizendo "PROIBIDO", ela estava do meu lado quando eu disse "AQUI NÃO PODE"! A responsabilidade de orientar o pedreiro que trabalha para ela, que vai retirar os restos da sua obra e levar para algum lugar, não é muito mais dela do que minha/da prefeitura? Haja onipotência e onisciência do Estado! Vamos ter de ressuscitar o Mao.
Ninguém no mundo pode ficar feliz com uma multa quando se acha inocente (ou perdoável). Mas se a gente abrir exceções o tempo todo – "eu estava correndo porque estava muito atrasada para um compromisso importante" – não precisa nem ter regra. Eu sou coração mole, eu entendo a indignação de quem se acha injustiçado, mas tem horas que não dá pra deixar pra lá. Hay que ter ternura sem deixar de endurecer.
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