sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O calote nas cadernetas de poupança

O calote nas cadernetas de poupança

"Segundo declarações das plantonistas autoridades econômicas na
imprensa especializada, a economia nacional foi pouco afetada pela
crise internacional. Isso merece credibilidade?"

Oswaldo Martins Rizzo*

"Mais ruinoso do que assaltar um banco é fundar um banco". (Wladimir
Lênin).

Preocupado com o futuro, o mundo assiste ao desenrolar de outra das
inerentes crises do capitalismo contemporâneo de hegemonia bancária, um
regime econômico insustentável por natureza baseado nos descontínuos e
fugazes ciclos de crédito sempre abortados pela inevitável alta da
inadimplência. Corretoras de títulos mobiliários estão oferecendo até
ajuda de psicólogos aos incautos aplicadores sucumbentes dos voláteis
movimentos dos pregões das bolsas de valores. Iniciado há quase três
anos, e recusando-se a findar, este mais recente desaprumo financista
conseguiu até introduzir no cerne da nação mais rica do mundo
atividades econômicas marginais como a "garimpagem urbana", até então
só observadas em países considerados pobres. Nos bairros das outroras
prósperas periferias das metrópoles dos EUA - Detroit, por exemplo – o
desemprego aumentou a criminalidade que alastrou os furtos de canos de
cobre (e de outros metais) das instalações hidráulicas residenciais
para a comercialização no mercado negro.

Demonstrando um incontido sentimento de ódio, a sociedade
norte-americana identificou o culpado por tê-la lançado no atual
calvário: o banqueiro, esse ser engravatado; branco e de fala mansa que
se tornou a figura mais impopular do momento. O líder em audiência
entre os programas humorísticos da televisão ianque, "Saturday Night
Live", semanalmente tem achincalhado os bancos, e artigo publicado na
popular revista "Rolling Stone" assemelhou a atividade bancária à de um
monstruoso vampiro sugador insaciável do sangue da humanidade.

Essa situação não me afeta, dirá o desmemoriado cidadão brasileiro
entorpecido pelo alienante noticiário oficial divulgando que tudo vai
bem nesta "Terra Descoberta por Cabral" e, segundo declarações das
plantonistas autoridades econômicas na imprensa especializada, a
economia nacional foi pouco afetada pela crise internacional (apesar do
crescimento nulo em 2009), estando o saudável sistema bancário
regularmente cumprindo seu papel no desenvolvimento social.

Isso merece credibilidade?

Entre setembro de 2008 e janeiro de 2009, justificando a necessidade de
debelar uma crise bancária de proporções siderais, o governo federal
(através do Banco do Brasil) assumiu o papel de emprestador de última
instância transferindo, açodadamente, recursos públicos de bilhões de
reais para salvar vários bancos privados à beira da falência, cujas
solvências foram seriamente ameaçadas pelos saques de correntistas que,
desconfiados, corriam aos seus caixas temendo serem caloteados. Esta
quase ruína do setor bancário nacional só foi divulgada, sem alarde,
pela mesma imprensa especializada cerca de um ano após ter ocorrido.
Confirmada por um diretor do Banco Central da época, a revelação da
iliquidez da banca precipitou a sua exoneração do cargo.

Em meados do século passado, um ganhador do Premio Nobel de economia -
o austríaco Friedrich August Von Hayek – explicou este tipo de atuação
governamental quando escreveu: "A democracia se tornou propriedade dos
interesses particulares (...) a distribuição de benesses favorece
grupos isolados, enquanto os custos são repartidos pelo conjunto dos
contribuintes. Esta assimetria entre beneficiados visíveis e custos
invisíveis cria a engrenagem que leva os governos a gastarem sempre
mais para preservarem a maioria política".

Todavia, o auxilio prestado pelo governo federal aos banqueiros para
livrá-los da bancarrota não está limitado à injeção de dinheiro. A
Procuradoria Geral da União (PGU) ingressou na demanda judicial
reivindicadora do pagamento pelos bancos da diferença do rendimento das
cadernetas de poupanças decorrentes dos fracassados planos econômicos
de gestões passadas.

Em apertada síntese, o frágil argumento dos banqueiros para calotear os
poupadores tenta demonstrar a tese da invalidade do direito adquirido
para os contratos das cadernetas, e que honrar a obrigação avençada
aumentará o risco de falências no setor. Noutras palavras: se tiverem
que pagar aquilo que legalmente devem, quebrarão, o que justifica dar o
calote nos poupadores.

Semelhante alegação foi usada pela equipe econômica do governo FHC para
justificar o socorro aos bancos pelo programa Proer. De acordo com o
professor da PUC, Samuel Kilszlajn, pela quantidade de variáveis
econômicas envolvidas era impossível saber se os bancos realmente
quebrariam ao não receberem a ajuda governamental.

*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) --
http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_publicacao=31973&cod_canal=4


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