Deputados banalizam datas comemorativas
Câmara aprova de uma vez 60 projetos que incluem no calendário o dia
nacional do macarrão, do quadrilheiro, do reggae e do motorista de
ambulância, entre outros. Homenagens contrariam recomendação de
comissão que pede "extrema cautela" em propostas
Lúcio Lambranho
O Congresso está prestes a criar o Dia Nacional do Quadrilheiro. Não se
trata de uma data para homenagear integrantes de quadrilhas ou bandos
formados por criminosos, nem mesmo congressistas envolvidos em
escândalos políticos como o mensalão ou a máfia dos sanguessugas.
Trata-se de um projeto de lei da deputada Nilmar Ruiz (DEM-TO) que
pretende celebrar uma atividade já consagrada pela cultura popular
brasileira: as quadrilhas de São João.
"Ao dedicarmos um dia ao quadrilheiro, justamente, no mês de junho,
estamos oficialmente incorporando essa tradição das manifestações
culturais brasileiras e homenageando a todos que fazem com que se
preserve esse legado nacional", defende a deputada do DEM na
justificativa do seu projeto de lei.
A proposta da deputada do Tocantins está entre os 60 projetos de lei
(leia a lista completa) que incluem datas comemorativas no calendário
oficial aprovados nas duas últimas semanas pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) em caráter terminativo, ou seja, sem a
necessidade de passar pelo Plenário.
Há data para quase tudo. Do Dia Nacional do Quilo, do deputado Carlos
Santana (PT-RJ) ao Dia do Motorista de Ambulância, proposto pelo
deputado Gervásio Viera (PSDB-SC) no Projeto de Lei 1623/07. Se
depender dos deputados, a mesa do brasileiro será transformada em uma
comemoração permanente.
Quatro projetos de lei tratam do assunto: o que institui a Semana
Nacional do Feijão e Arroz (PL 1488/07), do ex-deputado petista gaúcho
Adão Pretto (já falecido); o que torna o 25 de outubro o Dia Nacional
do Macarrão (PL 3738/04), do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR); o
que estabelece em 8 de julho o Dia dos Trabalhadores em Massas
Alimentícias (PL 7402/06), do deputado Antônio Carlos Biffi (PT-MS); e
o que cria em 24 de maio o Dia Nacional do Milho (PL 2959/08), do
deputado Paulo Piau (PMDB-MG).
Súmula ignorada
"Estes profissionais no seu dia-a-dia, além de salvar inúmeras vidas,
enfrentam a insalubridade sem estabilidade jurídica no que diz respeito
à segurança do trabalho", afirma o deputado Gervársio Viera ao
justificar o dia do motorista de ambulância.
A justificativa do deputado catarinense é comum entre as usadas nos
demais projetos, mas contraria uma norma interna da comissão de
Educação e Cultura (CEC) da Câmara, instância onde esses projetos devem
começar a tramitar, segundo o regimento interno da Casa.
Segundo a Súmula de Recomendações aos Relatores n°1 de 2001, ratificada
pela CEC em 25 de abril de 2007, as categorias profissionais devem ser
homenageadas de outras formas.
"Ao Estado compete, isto sim, homenagear permanentemente categorias
profissionais, partidos políticos, organizações e grupos religiosos e
assemelhados, pela vigilância em torno do cumprimento de princípios
constitucionais, sobretudo, no presente caso, os que dizem respeito aos
direitos e garantias fundamentais, bem como na formulação de legislação
correlata", diz o texto da recomendação.
Além disso, a norma pede que os relatores desse tipo de projeto de lei
tenham "extrema cautela", o que também não foi cumprido pelos deputados
que relataram propostas de datas comemorativas dos colegas.
Apenas o ex-deputado Colombo (PT-PR) contestou um projeto dessa
natureza. Em 2004, ele apresentou um voto em separado, ou seja, um
parecer pela rejeição da proposta do colega Luiz Carlos Hauly que cria
o Dia Nacional do Macarrão.
Além de fazer referência à súmula da Comissão de Educação, Colombo
sustentou que o macarrão é um prato representativo da cultura italiana
e que, por isso, não concordava com a "elevação desta data à efeméride
nacional". Apesar do parecer, a proposta de Hauly foi aprovada na CEC e
depois na CCJ. O voto em separado do petista foi diretamente para o
arquivo.
Polêmica no Dia do Reggae
No caso do Dia do Reggae, por exemplo, houve até discussão sobre a data
que deveria ser incluída no calendário. O autor do Projeto de Lei
3260/2008, deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), acabou vencendo a
disputa na CCJ, confirmando o dia 6 de fevereiro, data do nascimento do
criador do gênero musical, o jamaicano Bob Marley, como marco das
comemorações.
Em um substitutivo, o deputado Pinto da Itamaraty (PSDB-MA) sugeria que
o dia 11 de maio, data da morte de Bob Marley, fosse consagrado ao
reggae. O deputado maranhense alegou que essa data é comemorada
internacionalmente e já está incluída na legislação da capital de seu
estado, São Luis, e em Salvador.
"Não podemos, é verdade, dizer que o Maranhão é o berço do reggae no
Brasil. Mas é como se fosse. Sobretudo em São Luís, não há o lugar, no
Belíssimo Centro Histórico da cidade, em que o reggae não seja o melhor
pano de fundo para o lazer, para as conversas de amigos, para os
sussurros dos namorados. E para as festas. Entre muitos maranhenses,
festa sem reggae simplesmente não é festa", alega o deputado do
Maranhão, apesar de discordar da data com o colega do Distrito Federal.
"Nesta legislatura, apresentei 35 projetos de lei, duas propostas de
emenda à Constituição e três projetos de lei complementar. A avaliação
do parlamentar não pode ser feita, ou medida, por apenas um projeto
específico", diz o deputado Rodrigo Rollemberg, em mensagem enviada ao
site. Ainda, segundo o parlamentar, o reggae é um estilo musical muito
conhecido e com forte atuação cultural, principalmente, nos estados da
Bahia e do Maranhão.
"A apresentação do Projeto de Lei (PL) 3.260/2008, que cria o Dia
Nacional do Reggae, estabelece apenas uma data comemorativa. O PL foi
aprovado em duas comissões (Educação e Cultura e Constituição e Justiça
e Cidadania) por unanimidade", completa Rollemberg.
Para a presidente da CEC, deputada Maria do Rosário (PT-RS), a
banalização das datas prejudica o que ela considera como "boas práticas
legislativas". "Vamos reafirmar a súmula que parece não ter surtido
efeito, ao contrário da criação de novos feriados, que foram rejeitados
pela comissão, como na proposta de feriado nacional em favor do Frei
Galvão, o último brasileiro canonizado pela Igreja Católica. O problema
é que os relatores são soberanos nos seus votos", lamenta a presidente
da CEC.
Projeto de lei
A aprovação de projetos que criam datas comemorativas representa, para
alguns parlamentares, a rara chance de não passar em branco pelo
Congresso e transformar uma proposição sua em lei. Além de não serem
votados em plenário nas duas Casas, os projetos são tradicionalmente
sancionados pelo presidente da República.
Mas a prática tem recebido reiteradas críticas. "O meu balanço sobre
esse assunto é que a criação dessas datas, do ponto de vista da
aplicação de políticas públicas, é extremamente irrelevante e não tem
nenhum significado. Isso mostra em parte que Congresso está
completamente sem rumo", avalia o cientista político da Universidade de
São Paulo (USP) José Álvaro Moisés.
Para tentar coibir o grande número de projetos desse tipo, a deputada
Sandra Rosado (PSB-RN) propôs, ainda em 2005, uma proposta para
regulamentar o assunto. De acordo com a sugestão de Sandra, as
proposições só poderão ser apresentadas quando houver "alta
significação" e somente após a realização de consultas e audiências
públicas "devidamente documentadas, com organizações e associações
legalmente reconhecidas e vinculadas aos segmentos interessados".
O projeto foi alterado na CCJ da Câmara. Lá, excluiu-se do texto da
deputada o artigo que retirava a prerrogativa do Congresso em legislar
sobre o tema e restringia a proposição de novas datas ao Executivo.
Enviada para o Senado, a proposta foi aprovada com parecer do senador
Cristovam Buarque (PDT-DF) e aguarda votação no plenário desde o dia 7
de agosto. Caso seja aprovado, seguirá para a sanção presidencial.
http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_publicacao=29649&cod_canal=1
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