domingo, 27 de maio de 2012

Mérito: um argumento ruim em favor do Libertarianismo

URL: http://www.ordemlivre.org/2012/05/merito-um-argumento-ruim-em-favor-do-libertarianismo/


Os libertários são frequentemente acusados de defenderem uma sociedade baseada em méritos. O livre mercado, diz o argumento, produz uma distribuição que corresponderia, em linhas gerais, aos méritos de cada um. Se você é pobre, é provável que você mereça ser pobre; e o mesmo se aplicaria, caso você seja rico. Interferir com o mercado é interferir nessa ordem moral.

Mas piores do que aqueles que definem os libertários por meio desse argumento são os libertários que realmente o utilizam. Maus argumentos em favor do libertarianismo não trazem danos apenas à causa da liberdade, mas desviam a atenção dos argumentos que merecem mais consideração. Além disso, por causa de nossa tendência de nos lembrarmos dos piores argumentos em defesa das ideias as quais nos opusemos, os nossos adversários acabam reciclando nossos maus argumentos, ao invés dos bons.

O mérito não deveria ter nada a ver com a razão pela qual os libertários defendem o livre mercado. Em qualquer momento temporal, no livre mercado, algumas pessoas estão se dando bem e outras estão de dando mal. E a razão pela qual se dão bem ou mal está além da capacidade de conhecimento do mercado ou dos defensores do livre mercado.

A primeira pergunta a ser feita, claro, seria o que é mérito. Essa pergunta é bem difícil, mas parece que, no mínimo, o mérito se referiria às características que fazem uma atividade ser meritória, ao invés de características que a fazem valiosa. O livre mercado "determina" valores através de um sistema de preços que flutua livremente e que leva em conta, imediatamente, as mudanças na oferta e na demanda. O mérito, entretanto, olha para além dos preços de mercado dos bens para avaliar a qualidade da ação individual.

Por exemplo, alguém pode se tornar muito bom em videogames e isso pode acontecer com o jogador tendo que vencer alguns problemas (talvez uma deficiência em seu tato ou visão). Muitos considerariam o seu sucesso meritório, mas esse sucesso teria muito pouco valor no mercado. Da mesma forma, alguém pode se tornar muito rico, apesar de utilizar pouco esforço ou inteligência. Tudo isso pode ser meritório ou não, mas o mercado não se importa.

Um mercado funcional e verdadeiramente livre não recompensa as pessoas baseado em seus méritos; ele as recompensa baseado em sua produção. Se alguém produz bens ou provém serviços que são valiosos para outras pessoas, ela será recompensada por isso. Essa recompensa pode chegar a ela com maior ou menor facilidade. Alguns nascem talentosos, enquanto outros batalham para adquirir algum conhecimento de valor. E ainda temos pessoas que nascem em circunstâncias mais favoráveis, que facilitam o sucesso, enquanto outras começam a vida em situações que dificultam o seu futuro.

Todos nós possuímos um conjunto de dificuldades e capacidades. Algumas delas podem ser naturais, outras podem ser resultado de nossa vida familiar ou apenas algo que nós aprendemos. É por causa desses contextos complexos e subjetividades que o mercado deve se basear em critérios objetivos como a produtividade, ao invés de em critérios subjetivos como o mérito. Ao nos focarmos no critério objetivo da produtividade, nós evitamos determinações subjetivas de valor. Nós também encorajamos a produtividade, que no fim das contas alarga as possibilidades de sucesso e disponibiliza riquezas para mais pessoas.

Se o mérito vem do esforço ou da superação de adversidades, então o livre mercado trabalha para diminuir o número de ações meritórias para aumentar a produtividade. A eficiência é preferível ao trabalho pesado. Se precisarmos cavar buracos, que sejam cavados da maneira mais eficiente possível, não da forma mais meritória. Cavar um buraco é trabalho pesado e fazê-lo com apenas um braço é ainda mais difícil. Mas seria estranho se determinássemos o valor da atividade baseados em considerações como essa.

Ainda assim, alguns libertários, particularmente os de inclinações objetivistas, podem alinhar o mercado ao mérito. Afinal, muitos personagens dos romances de Ayn Rand são heróis cujo sucesso no mercado é uma indicação de seu valor e mérito. Se você preferir admirar traços de personalidade que levam alguém a se tornar um magnata da indústria de aço, tudo bem. Mas isso não significa que aqueles que não se tornaram magnatas têm menos mérito. O cantor e compositor que ganha a vida escrevendo canções e tocando para pequenas plateias também possui mérito. E mais importante, é possível apontar que a riqueza produzida pelo livre mercado é a razão principal pela qual os compositores conseguem viver de sua música.

Riqueza não é indicação de mérito e pobreza não é sinal de fracasso. Como argumentei anteriormente, nós devemos defender o livre mercado como um sistema cuja produtividade permite que pessoas sejam artistas, vendedores de discos ou mesmo vagabundos. Pessoalmente, nós podemos elogiar ou criticar alguém por suas escolhas ou por seus valores, mas não devemos argumentar que o mercado é capaz de fazer isso por nós.

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