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Osiris Lopes Filho*
Volta a se manifestar nas hostes governamentais o surto de esquizofrenia financeira. A fixação esquizofrênica concentra-se na CPMF. Como estava previsto na Constituição, ela se encerrou em 31 de dezembro de 2007.
O governo, na proposta orçamentária para 2008, previu a arrecadação da CPMF, em torno de 40 bilhões de reais. Qualquer estudante de direito sabe que só se pode prever a ocorrência de arrecadação, no orçamento, para o período em que esteja vigente o tributo. É uma das conseqüências do princípio da legalidade, que rege a matéria tributária.
Nos piores períodos da nossa história tributária buscou-se socorro na patologia médica para definir os fenômenos que o direito tributário e o direito financeiro não eram capazes de caracterizar. Assim, no início da década de 50, antes da edição do Código Tributário Nacional, foram editados livros e artigos que retratavam o ambiente de então: nosocômio tributário, clínica fiscal, hospício tributário.
As alucinações que empolgam o presidente Lula, seu ministro da Saúde e parte da bancada governista de deputados concentram-se na criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), como sucedâneo de uma perda de arrecadação juridicamente inexistente.
Na patologia psiquiátrica, a esquizofrenia caracteriza-se pela criação de realidades imaginárias, situadas nas mentes doentias, que vivem em função delas. É como construir castelos imaginários e morar neles.
A gravidade desse quadro de alucinações tributárias é pelo fato de existir, no Congresso, proposta de emenda constitucional (PEC nº 233/08) prevendo a criação de imposto sobre operações com bens e prestação de serviços, da competência da União, com aplicação em áreas superiores à da abrangência do ICMS, dos Estados e do Distrito Federal, e do ISS, dos Municípios e do Distrito Federal.
Esse tributo acarretará superposição exagerada de imposto sobre as mesmas materialidades econômicas, afetando a arrecadação desses entes da Federação em sacrifício dos padecentes tributários, submetidos à extorsão, além dos limites da capacidade contributiva, da razoabilidade e da moderação.
Agora, na pressa alucinada imprimida por parte da bancada governista, com o interesse da cúpula governamental palaciana, propõe-se a previsão da contribuição social para a saúde, por lei complementar. Descartou-se o caminho da emenda constitucional, que viabilizou as versões anteriores de tributação sobre as movimentações financeiras. É que a aprovação da emenda constitucional exige maioria privilegiada de 3/5, quorum que o insucesso da prorrogação da CPMF demonstrou ser inviável e digno de abandono, presidido pelo pragmatismo oportunista.
Realmente, a lei complementar, para aprovação, necessita de quorum de mais fácil obtenção. Apenas maioria absoluta. O nó nessa opção adotada, de utilização de lei complementar, para assegurar novas fontes tributárias destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, é que o art. 195, §4º, que possibilita a instituição desse novo tributo, faz menção ao art. 154, I, da mesma Constituição, que prevê que a nova contribuição seja instituída por Lei Complementar – e aí o veículo normativo de sua instituição é idôneo. Mas tal norma prevê outras restrições, como a de que o novo tributo seja não-cumulativo e não repita base de cálculo ou fato gerador dos impostos previstos na Constituição.
A incidência sobre as movimentações financeiras é a mais invasora das bases de cálculo de impostos e a sua cumulatividade é fato notório.
Membro da cúpula governamental já assegurou que se trata de contribuição sobre atividade, sem o caráter cumulativo, eis que não incide sobre o processo produtivo. Anúncio de briga com realidade constitucional objetiva. Prenúncio de intervenção do Supremo Tribunal Federal, para julgamento da constitucionalidade dessa figura tributária. Judiciário assumindo funções médicas para sanar a voracidade arrecadatória alucinada da União.
*Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.